Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


sábado, 18 de junho de 2011

das razões (minhas) de não ser mãe

Crianças gritam insuportavelmente no play do condomínio. Não se sabe se estão brincando ou se machucando. Seus gritos parecem perfurar meus tímpanos.

Espírito Santo

Quem quiser conhecer uma paisagem bucólica, aquela do Arcadismo, basta viajar para o interior do Espírito Santo, estado que, segundo alguns cariocas, não tem interior, por ser o próprio interior, e cuja existência tem como função única e exclusiva, aliás fundamental, separar o Rio da Bahia, para que tudo não vire um carnaval só. Para os que acreditam demais nos mapas escolares, o depoimento de um carioca é decisivo: quem garante que o Amapá existe? Alguém já se deparou com um cidadão (ou cidadã) proveniente do Amapá? Já o ES não, existe de fato, pois há vários capixabas conhecidos, entre anônimos e notórios, alguns tão notórios que estão milionários.

[fotografia tirada em 19/03/2011]

Dante Milano

GLÓRIA MORTA

Tanto rumor de falsa glória,
Só o silêncio é musical,
Só o silêncio,
A grave solidão individual,
O exílio de si mesmo,
O sonho que não está em parte alguma.

De tão lúcido, sinto-me irreal.

MILANO, Dante. Poesia e prosa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira: Núcleo Editorial da UERJ, 1979, p.83.

algumas palavras sobre crítica literária e criação

Depois do mestrado, naquela neblina muito comum quando se termina algo que trouxe grande satisfação, vagamente suspeitava que iria dedicar o doutorado à crítica literária. Não deu outra, e acho que não podia ter escolhido melhor crítico para estudar, Sérgio Buarque de Holanda. Quis estudar a crítica porque, no fundo, nunca abandonei a ideia de me dedicar à literatura, pela qual fiz enormes malabarismos, financeiros, pessoais, existenciais, à parte os deslocamentos geográficos, que no Rio de Janeiro fazem com que eu seja tomada por mineira, em Minas por natural de um estado sem identidade (que Minas deixou de anexar), e no Espírito Santo por intrusa, alguém que não pertence mais àquela geografia. O fato é que sou capixaba, ou pelo menos natural do Espírito Santo, e ninguém vai me tirar isso. E minhas origens explicam muito de minhas escolhas literárias: quis estudar "São Marcos" porque nele há mais mistérios que meu voo conseguiu penetrar (e basta ler o conto para ver o quanto o universo rural é diferente do urbano-letrado) e em seguida, na trilha de Sagarana e da década de 30, esbarrei em Sérgio Buarque, que morou em Cachoeiro de Itapemirim nos idos de 1926, depois de se desentender com os modernistas da fase heroica (ele nunca quis mesmo saber dessa história de herói), cidade para qual minha família se mudou para que os filhos, ou melhor, eu e minhas irmãs, estudássemos (quando o menino nasceu, a família já vivia na cidade, e entrava num vertiginoso processo de desintegração).

De forma que fui me tornando desgarrada, e ao mesmo tempo indiferente aos deslocamentos geográficos. Chegou a hora do mestrado? Toca para a UFES (Vitória-ES). Um lugar para o doutorado? Minas, ora, Belo Horizonte, UFMG. Então, em fevereiro do corrente, esse ciclo de deslocamentos terminou, junto com a defesa, enquanto vou dando minhas aulas no Colégio Pedro II, cujo ingresso motivou minha vinda para o Rio de Janeiro, cidade em que jamais imaginei um dia viver, mas que agora quero muito, porque combina Vitória e Belo Horizonte: tem amplos e belos horizontes e tem o mar, quem sabe uma coisa conjugando-se à outra. E tem Jacarepaguá, onde alguma coisa de roça subsiste.

Mas o fato é que, neste blog, vou postando poemas, trechos de obras que me dizem respeito, algumas impressões. Conheço a Carta aberta de Alexei Bueno aos poetas brasileiros, mas há uma arrogância excessiva em suas posições, ou seja, uma arrogância além do tolerável, já que alguma arrogância nas posições assumidas pela crítica parece mesmo vício da profissão, e não posso esquecer o quanto ouvi falar o nome de Luiz Costa Lima como criatura beirando o insuportável no âmbito do convívio profissional. Então, pelo menos no Brasil, a crítica raras vezes foi entendida como um ofício como outro qualquer, e nesse sentido eu aprendi deveras com Sérgio Buarque, e não me esqueço do modo como ele qualificou o crítico: personagem presunçoso, que se presume superior aos demais mortais na apreciação do objeto estético, literário: 

“Com isso, a preocupação de não sobrecarregar meus textos com nomes e citações de autores mal conhecidos da maioria dos leitores, sabendo que eles servem principalmente para impressionar os inseguros e os basbaques, e até com o cuidado de não mostrar tudo o que eu conhecia de tal ou qual matéria em discussão ― mas sem incorrer no risco de passar por mal informado, defeito que seria imperdoável em um crítico, personagem naturalmente presunçoso, pois que se faz passar, no fundo, por onisciente ―, procurava alijar de meus escritos tudo quanto tivesse um ar de coisa postiça, e dar, com isso, ao conjunto, um aspecto de razoável espontaneidade.” (Tentativas de mitologia, 1979, p.16).

Ora, também não me agrada passar por desinformada, mas não me apraz ficar exibindo listas de leituras em citações mal ajambradas. Então prefiro o Alexei Bueno poeta ao Alexei Bueno farol, ponta-de-lança, visiotário etc. Não suporto a Flora Sussekind, a nova sabe-tudo-tudo-sabe da crítica literária brasileira, e não movi uma linha da minha tese no que concerne às críticas que dirijo a ela. Não entro nas polêmicas que volta e meia dão uma sacudida no nosso marasmo intelectual, mas não sou indiferente a elas. Acompanho-as e vou aprendendo um pouco mais sobre os intelectuais à brasileira, como disse o Sérgio Miceli. O próprio Alexei Bueno publicou um livro sobre as polêmicas literárias no Brasil, além de ter encetado uma com sua carta aberta: então ele estava preparando o terreno para agir. Sérgio Buarque foi um grande polemista, e foi um prazer à parte ver o modo como defendia e atacava. Há outra polêmica recente, e creio que está para ser escrito o livro sobre o porquê de tanta e tantas contendas intelectuais num país cuja literatura tenta ganhar uma expressão própria (o que já foi, por outro lado, matéria de muitas polêmicas, senão a principal delas). Graciliano Ramos não se meteu em polêmicas, até onde sei, mesmo assim foi preso e, não obstante o aparente alheamento intelectual, criou obras-primas, que não passarão com o tempo.

As universidades, por seu turno, padecem de um estranho loteamento: os autores têm seus donos, proprietários que perecem ter registrado patente de seus estudos. O Silviano Santiago já foi melhor, entreviu o nosso entre-lugar, mas não fez menção às suas fontes, Homi Bhabha e Guimarães Rosa. E por aí vai. Farejo os grupinhos, as paróquias onde medra o clero literário, no dizer de Raduan Nassar. Luiz Costa Lima, numa fala em homenagem ao poeta mineiro Affonso Ávila, falou que a USP é máfia. E o que não é? Para quem não quer se alinhar/perfilar com isso, resta a blogosfera, onde também se corre o risco de passar por mal informado, e uma hora dessas, quem sabe, um livro publicado, a entupir um pouco mais as prateleiras das livrarias.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

não estou aqui, não estou lá: estou de passagem

Esta música... inexplicável o fascínio que ela exerce sobre mim. Em parte pela sua raridade: a gravação original, de 1967, na parceria de Bob Dylan com The Band, é quase impossível de ser encontrada: precisa ser comprada. I don't belong to anybody. No cinema, assisti a "I'm Not There" duas vezes. Foi em BH e minha vida pessoal passava por turbulências. Eu mal acreditava naquela multiplicidade, aquele ser tão inquieto, tão corajoso, tão forte. Menos ainda acreditava que a cinebiografia dirigida por Todd Haynes pudesse não agradar aos fãs. Na minha inquietação, me vi uma tarde diante do cinema, e não tive dúvida de entrar e assistir pela segunda vez. Foi quando prestei atenção a uma música que tocava nos créditos finais, antes da antológica "Like a Rolling Stone" (ou depois?). Nunca a ouvira até então, mas bastou aquele contato mínimo, rápido, para que a canção me atravessasse. Depois comprei o DVD do filme, por fim adquiri o CD com a trilha sonora. É assim: a versão do Dylan para "I'm Not There" é uma raridade que se encontra apenas nos créditos finais do DVD ou no CD (a última faixa do lado 2). Sequer se encontra registro da letra no site oficial do cantor. Por que especificamente esta música? Tudo. Tanto que Todd Haynes percebe sua singularidade e a toma como título do filme-homenagem. A melodia, o modo arrastado com que Bob Dylan a interpreta, expressando mesmo o cansaço dos que não suportam se sentirem aprisionados em qualquer rótulo, imagem, estereótipo, caixote: seja lá o que ou onde for, I'm not there, não estou lá. Definitivamente não. Sei que já estou falando do meu cansaço, e afinal a música é de uma tristeza difícil de adjetivar. Mas também sei que é meu modo de expressar minha inadequação em relação a este mundo tão vulgar, óbvio, careta e cheio de heróis exemplares e operários padrão. Pois dizer "não estou lá" é recusar-se a funcionar, é dizer "não"... Sei que as pessoas mais próximas saberão que é apenas um modo de dizer sim, pois há a vida para viver, mas às vezes cansa e cansa e cansa... e eu tenho apenas vontade de dizer como aquele narrador de Guimarães Rosa, no final do conto "Lá, nas campinas": 

"Tudo era esquecimento, menos o coração. — 'Lá, nas campinas!...' — um morro de todo limite. O sol da manhã sendo o mesmo da tarde. / Então, ao narrador foge o fio. Toda estória pode resumir-se nisto: — Era uma vez uma vez, e nessa vez um homem. Súbito, sem sofrer, diz, afirma: — 'Lá...' Mas não acho as palavras." (ROSA, João Guimarães. Tutaméia: terceiras estórias. Ficção completa, v. II. Nova Aguilar, Rio de Janeiro, 1995, p. 607).

Não tenho achado as palavras, só isso, e tentar achá-las é o mesmo que tentar me colocar em um lugar em que não consigo estar. Uma hora vou encontrá-las, encontrando também um lugar, ou lugares. Bem, pelo menos o lugar físico-geográfico já foi encontrado, isso já foi resolvido, mas é de outra instabilidade que se trata. E em alguns lugares eu nunca vou querer estar.  

são marcos

Amiúde, minha dissertação de mestrado, sobre o conto "São Marcos", tem me vindo à mente, seja "do nada", seja porque alguém que não conheço me escreve pedindo para usar o texto. Preciso voltar a este texto, revê-lo, revisitá-lo, pois foi um trabalho que me trouxe muitas alegrias. E como a partir de agora vou postar aqui o que advir desta retomada, inauguro um novo marcador: são marcos. Como é mesmo a oração de São Marcos? "Em nome de São Marcos e São Manços, do Anjo Mau, seu e meu companheiro..." 

sonho de Alice

Os sonhos desta noite (que eu nem sei se houve, no plural, pois estava dormindo, e dormir é não saber, e ao mesmo tempo saber-se muito), deixaram como vestígio apenas uma imagem: meus cabelos levemente mais crescidos. Minha imagem com os cabelos um pouco mais compridos. Ontem, no ônibus, folheava Alice, enquanto minhas sensações teimavam em me arrastar para a paisagem, outra forma de chamar atenção sobre elas próprias. Transformações em curso, com poucos sinais evidentes, por ora. Mas na noite que perdura ao longo do dia, nos recessos de difícil acesso, vislumbro, pelo sonho, camadas em movimento, a tectônica de placas em atuação: no fundo da Terra, para onde caiu Alice, muito acontece, e conforme a intensidade os abalos sísmicos chegam à superfície. Chegaram-me, esta noite, pelos cabelos em crescimento, e isso me traz à memória, agora, no momento em que escrevo, outra história conhecida. Então escrever é ajudar os sonhos. 

Torquato Neto: "qualquer palavra é um gesto"

Agora não se fala mais
toda palavra guarda uma cilada
e qualquer gesto é o fim
do seu início;

Agora não se fala nada
e tudo é transparente em cada forma
qualquer palavra é um gesto
e em sua orla
os pássaros de sempre cantam
nos hospícios.

Você não tem que me dizer
o número de mundo deste mundo
não tem que me mostrar
a outra face
face ao fim de tudo:

só tem que me dizer
o nome da república do fundo
o sim do fim do fim de tudo
e o tem do tempo vindo;

não tem que me mostrar
a outra mesma face ao outro mundo
(não se fala. não é permitido:
mudar de ideia. é proibido.
não se permite nunca mais olhares
tensões de cismas crises e outros tempos.
está vetado qualquer movimento

..............

LITERATO CANTABILE

Agora não se fala mais
toda palavra guarda uma cilada
e qualquer gesto é o fim
do seu início;
agora não se fala nada
e tudo é transparente em cada forma
qualquer palavra é um gesto
e em sua orla
os pássaros de sempre cantam assim,
do precipício:

a guerra acabou
quem perdeu agradeça
a quem ganhou.
não se fala. não é permitido
mudar de ideia. é proibido.
não se permite nunca mais olhares
tensões de cismas crises e outros tempos
está vetado qualquer movimento
do corpo ou onde que alhures.
toda palavra envolve o precipício
e os literatos foram todos para o hospício.
e não se sabe nunca mais do fim. agora o nunca.
agora não se fala nada, sim. fim, a guerra
acabou
e quem perdeu agradeça a quem ganhou.

NETO, Torquato. Torquatália {do lado de dentro}. Org. Paulo Roberto Pires. Rio de Janeiro: Rocco, 2004, p.168-169.

As I Went Out One Morning (cover by Woven Hand)

quinta-feira, 16 de junho de 2011

liberdade

Na véspera de minha mudança, quase madrugada, escrevi isso, enquanto encaixotava livros e objetos. Escrevi, mas postei acolá. Não, não há contradição: escrevi lá.

Enquanto arrumo as coisas para a mudança, abri a porta da casa onde moro pela última noite para verificar a caixa do correio. E uma brisa muito agradável arejava a área externa. Resolvi deixar a porta aberta, para a brisa entrar. Nunca, antes, eu havia notado essa brisa, ou se notei não lhe dei importância, talvez pelo horário, quase meia noite, talvez pelo hábito de chegar, entrar rápido e fechar a porta. Então sei que não abri a porta para verificar o correio: abri-a para receber a brisa agradável, deixar o frescor adentrar a casa. Porque amanhã não estarei mais aqui, e é preciso que as coisas saiam um pouco de seus eixos para que esses momentos de intensa liberdade possam ter ensejo: a porta aberta da casa à noite, sem qualquer perigo. Estou deixando isso, pelo conforto de um apartamento, cuja porta ficará permanentemente fechada. Mas não se trata de uma negociata, em que perdas e ganhos são computados. Porque sei que levarei esta porta aberta comigo, minha liberdade.

até onde vai o que se pode contar

Eu já vivi coisas intensamente bonitas. Porque eram muito bonitas, sua melhor tradução era a alegria, que prima por um brilho diferente nos olhos, um desejo maior de viver. Ocorre que a tradução da tradução, ou seja, a expressão da alegria em palavras, nem sempre tem a sorte de encontrar, efetivamente, para dizer com Fernando Pessoa, ouvidos de gente. Um desastre desses me aconteceu, em circunstâncias que tornaram tudo um pouco mais insólito. E se quem causou a alegria havia deflagrado-a justamente por sua singularidade, tanto mais detestável se tornou o outro lado da ponta, a quem entreguei, em forma de palavras, minha alegria. É incrível como as pessoas incapacitadas para a alegria não suportam vê-la na expressão do outro, no outro que a experimenta, e fazem de tudo para roubá-la, não para tomá-la para si, porque isto é impossível, mas para jogá-la na primeira lata de lixo, com as quais mantêm um pacto de higienizar o mundo por meio da vigilância, qualquer que seja ela. Hoje, ao voltar para casa, ao me ver temporariamente suspensa do mundo num meio de transporte, lembrei-me de como foi estranho ter frequentado esses extremos: o detestável se tornando mais detestável em contraste com o  agradável; este tornando-se mais desejável pela presença do detestável. Eu já vivi coisas muito bonitas, mas precisei pagar o preço da interpretação (aquela que arranca sentidos feito fórceps) para saber que nem tudo pode ser contado, que a beleza é rara. Como falar (deixar falar) a beleza se as sentinelas estão sempre vigilantes? Que ao menos seja permitido dizer que já se viveu coisas intensamente belas.

Andrei Tarkovski: Offret (Sacrifício)

"Quando a criança era criança / não sabia que era criança" (Peter Handke)


“Quando a criança era criança, / andava balançando os braços, / queria que o riacho fosse um rio, / que o rio fosse uma torrente / e que essa poça fosse o mar. / Quando a criança era criança, / não sabia que era criança, / tudo lhe parecia ter alma, / e todas as almas eram uma.” (AQUI)

Ode aos Ratos (Edu Lobo / Chico Buarque)

E na interpretação de Chico Buarque, no show Carioca (Belo Horizonte).

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Walter Hasenclever

À MORTE DE UMA MULHER

Quando te curvas à beira do céu,
Desfolhada pelo verão:
Recuamos
Abrimos os olhos,
Vemos tua eterna imagem.
Agora sabes tudo,
Lágrima e esperança,
O universo da dor, o da felicidade.
Alma liberta, alma querida,
Nossa irmã,
Eis o lar!

Poesia expressionista alemã: uma antologia. Org. e trad. Claudia Cavalcanti. São Paulo: Estação Liberdade, 2000, p.100-101. Edição bilingue ilustrada.

Winter and Summer (animação)


Para assistir diretamente no openfilm, acessar AQUI. Há muito queria postar este vídeo, mas a minha conexão banda larga nunca permitia ver mais que os acordes iniciais. Hoje, depois de ter feito um upgrade na conexão, consegui assisti-lo. Nada de muito especial, apenas a dança da natureza segundo o ritmo das estações. E também uma música que começava a ouvir e era interrompida.

meu coração vagabundo quer guardar o mundo em mim


Ano passado tive um encontro mágico com Caetano Veloso, totalmente por acaso, num sábado à noite no CCBB enquanto aguardava com uma amiga o teatro. Foi um encontro lindo, para falar como ele. Na hora, só conseguir dizer-lhe que fazíamos aniversário juntos, no mesmo dia e mês. Foi um dos meus começos no Rio de Janeiro, um bom começo. Hoje, se o encontrasse de novo e tivesse o mesmo desprendimento de então, diria-lhe que ele compôs "Coração Vagabundo" para mim, tal a perfeição com que essa singela música traduz o que em mim se expressa com tanta hesitação e reticência. 

eclipse

Tristeza imensa neste começo de noite, o pranto da manhã, quando minha mãe foi embora, querendo voltar, e eu não sei o que fazer com isso. Minha mãe entrou no quarto, não para fechar a janela, como no sonho, mas para se despedir. Para completar, o céu estava meio nublado no início da noite, eu não consegui ver o eclipse. Mas o que não foi eclipse neste longo dia? O momento da postagem coincide com o que estou dizendo, mas há a questão do fuso horário etc.

alguma coisa urgentemente

"Alguma coisa urgentemente" é o título de alguma coisa que o João Gilberto Noll escreveu, que não li, é certo, pois o pouco que li do Noll, três livros, foi o bastante para perceber que não consigo me avizinhar muito de seu estilo. Mas, quando me lembrei da expressão, supus que fosse de Sérgio Sant'Anna, de que gosto, e por isso supus, e também porque vejo na escrita deste uma urgência mais interessante. "Alguma coisa urgentemente" é um conto e está na coletânea Os cem melhores contos brasileiros do século (p.416-422), e definitivamente não o li. Li, entretanto, o excelente "Um discurso sobre o método", de Sérgio Sant'Anna (p.402-415), que por acaso vem antes do conto da urgência citado, e li isto, do mesmo Sérgio:

“Aqui, um território vazio, espaços, um pouco mais que nada. Ou muito, não se sabe. Mas não há ninguém, é certo. Uma cobra, talvez, insinuando-se pelas pedras e pela pouca vegetação. Mas o que é uma cobra quando não há nenhum homem por perto? Ela pode apenas cravar seus dentes numa folha, de onde escorre um líquido leitoso. Do alto desta folha, um inseto alça voo, solta zumbidos, talvez de medo da cobra, mas o que são zumbidos se não há ninguém para escutá-los? São nada. Ou tudo. Talvez não se possa separá-los do silêncio ao seu redor. E o que é também o silêncio se não existem ouvidos? Perguntem, por exemplo, a estes arbustos. Mas arbustos não respondem. E como poderiam responder? Com o silêncio, lógico, ou um imperceptível bater de suas folhas. Mas onde, como, foi feita essa divisão entre som e silêncio, se não com os ouvidos?”

SANT’ANNA, Sérgio. Conto (não conto). Os cem melhores contos brasileiros do século. Org. Ítalo Moriconi. Rio de Janeiro: Objetiva, 2000, p.518, parágrafo inicial.

Alguma coisa urgentemente, que (se) possa contar, que não violente demais o silêncio, que faça a necessária inscrição da vida humana no silêncio e dele traga algum sentido para o existir ― existir que fatalmente será envolto pelo silêncio, e então essa urgência de alguma coisa que não se sabe bem o que é, quando a densidade do silêncio fica mais espessa ou rarefeita que o ar. Mas se fosse necessário precisá-la, seria a urgência de que a apropriação das palavras não fosse tão traiçoeira: “Mas o que é uma cobra quando não há nenhum homem por perto?”. Urgência de delicadeza, para fazer do silêncio um par. 

cartas da juventude

Torquato Neto: um soneto

SONETO DA CONTRADIÇÃO ENORME

Faço força em esconder o sentimento
Do mundo triste e feio que eu vejo.
Tento esconder de todos o desejo
Que eu não sinto em viver todo o momento

Que passa. Mas que nunca passa inteiro.
Deixa comigo o rosto da lembrança
E o fantasma de só desesperança
Que me empurra e de mim me faz obreiro

De sonhos. Faço força em esconder
Do mundo, a dor, a mágoa e a cabeça
Que pensa tão-somente em não viver.

Faço força mas sei que não consigo
E em versos integral eu me derramo
Para depois sofrer. E então, prossigo.

NETO, Torquato. Torquatália {do lado de dentro}. Org. Paulo Roberto Pires. Rio de Janeiro: Rocco, 2004, p.46.

palavras

Descubro a existência da Fócida, e esqueço o palavrão que, hipoteticamente, eu postaria aqui, não fosse este o blogue de uma moça direita (mas não de direita), bons costumes, educada, cuja classe, dizem testemunhas constantes, não combina com a elocução de um palavrão (você não, Mariana, não combina com você). Entre os amigos está liberado, graças a Deus, embora este não deva gostar muito de ouvi-los. Mas voltando ao..., quer dizer, à Fócida. Lugar mais simpático, não merecia a semelhança fônica com... Pobre Fócida! Deve estar na fossa, os poetas todos fugiram de lá, do seu belo monte Parnaso, e foram se abrigar no vazio simbolista-decadentista-salvo-engano-pós-modernista do nada ao encontro de nada dando em nada. Vejamos então: a Fócida é uma das divisões clássicas da Grécia e uma de suas modernas prefeituras. O nome Fócida deriva de Foco (ora, vejam!, a coisa é mais séria do que eu imaginava...), filho de Ornitião, filho de Sísifo... Caramba! Quer mais o quê para configurar a situação completa do fócido? Não digo mais nada, deixarei que a Wikipédia fale por mim: na Fócida situa-se a histórica cidade de Delfos, conhecida por seu famoso oráculo, cujas profecias, bem, já se sabe...

Catarina Pinto Leite: o que a luz oculta

Se alguém disser que o acaso é um poderoso motor de descobertas, em parte dever-se-á concordar. Há, entretanto, um componente de causalidade, ensejado pela busca que levou à descoberta, e um outro imponderável, porque o olhar é um olhar, e então o imponderável escapa. Esses três elementos me levaram à descoberta de Catarina Pinto Leite: uma busca casual que levou a uma imagem, uma imagem que chamou mais atenção que as outras, que tinha uma qualquer singularidade. Descobri seu site (AQUI), do qual não consegui copiar qualquer imagem. Gostei muito de "Encanto" e "Refúgio do tempo". Deste outro site, consegui reproduzir a tela O que a luz oculta (2007):

colcha de retalhos

Minha mãe esteve aqui. Fez comida, fez-me companhia. Saiu pela manhã. Não me lembro da última vez que recebi beijo de mãe ao amanhecer, despedindo-se de mim. Sei que faz bastante tempo. Não consigo me esquecer que as colchas de retalho que ela costurou a vida inteira para nos proteger do frio (que não era tanto no ES) deram-me, no caos de um sonho, uma tela de Picasso. O que é muito diferente de ir ao museu ver uma tela de Picasso. Porque no sonho ela se fez necessidade, se impôs, ela foi criação, a tela que nunca vi, que talvez jamais tenha sido pintada, exceto naquele vislumbre onírico em que a discerni, no mesmo instante em que reconhecia o quarto de costura e os panos pendurados. Sua geometria esgarçou a colcha de retalhos cortados com certa exatidão, compondo aquele exótico painel multicor em que se reconheciam pedaços de vida, pelos tecidos que as pessoas compravam e levavam para que minha mãe transformasse em peças de roupas. Com as sobras, algo novo era tecido. Nos retalhos da colcha, retalhos de vidas que se encontravam apenas ali: um vestido para madrinha de casamento, um vestido para casar, um vestido novo, um vestido novo para a menina que um dia iria casar... Em quadrados, retângulos e triângulos, vidas tecidas, enquadradas na previsibilidade do nascer-crescer-morrer. Viver, se houvesse roupa nova.

Esgarçada a colcha de retalhos pelo sonho, que me deu tecidos em farrapos, entendo que minha mãe tentava também fazer arte: a colcha de retalhos era sua liberdade ante os modelos e cores e estampas previamente escolhidos. Minha liberdade é tentar tecer com as palavras o que pode quebrar a ordem dos acordes previstos, quem sabe fazer soar outra sílaba, outra música.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Alexei Bueno: livro de haicais

Paisagem deserta.
Mas não, lá bem longe, um homem,
E então tudo existe!

BUENO, Alexei. Livro de haicais. Poesia reunida. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2003, p.220.

Concerto para Bangladesh, 1971 (George Harrison and friends)


Outro grande momento: Just Like a Woman
Site oficial do evento: http://www.concertforbangladesh.com/

escrita

Escrevo a um amigo: estou sonhando intensamente coisas difíceis. Uma outra vida se inaugura quando fecho, temporariamente, os olhos para esta, uma vida cuja intensidade até então desconhecia. Onde eu andava não sei. A cada noite um novo capítulo de uma novela desconexa, mas com feixes de contiguidade (ai, a psicanálise!) com o sonho anterior. O caos de uma noite retoma o da noite passada, e quando acordo tenho a sensação de que fui bombardeada por imagens cuja compreensão e discernimento são sempre precários. Durante o dia componho um rosto ordenado, uma expressão calma. Ao contrário do que vivi até então, começo a ansiar, sem pressa ou susto, pela noite, porque sei que alguma coisa muito importante, uma transformação de monta, está se passando. Entrevejo nisso tudo a leitura do Paulo Mendes Campos. Uma leveza a cada manhã, a noite consistindo em purgar fantasmas que talvez não sejam de todo mal. A minha força só pode estar em mim, e foi a partir de uma necessidade muito intensa de visitar essas regiões inexploradas, que a experiência de Paulo Mendes Campos descortina, que comecei a sonhar de outra forma, não de imediato, mas como camadas que foram descortinando novas possibilidades. Então este trecho em particular me fascinou pelo desejo que se apoderou de mim, o desejo de acessar a delicadeza:


“Essa delicadeza não apresentava a mais leve analogia com sensações por mim conhecidas. Como se dentro da delicadeza houvesse uma segunda delicadeza, e dentro desta uma terceira, uma quarta, uma quinta, e só lá no fundo de não sei qual película sutil estivesse, intacta, a verdadeira delicadeza. Mas esse imprevisível tesouro não implicava a menor nuança de medo: estava inocente por demais para que o mal e a violência me atingissem. Meus próprios erros e brutalidades não me tocavam. Só não me agradava a possibilidade de ser reconduzido para trás, ao meu estado habitual, ao universo convencional dos conceitos, das palavras, dos apetites e das ansiedades. Como que justificando a sutileza de minha relação íntima com os outros, escrevi sempre inseguro das palavras: ‘Eu me afasto, mas não é solidão.’ Não estava sozinho naquela hora; os outros talvez estivessem.” [AQUI]

não sei se já ouvi música mais triste: spiegel im spiegel

123 anos do nascimento de Fernando Pessoa (1888)

domingo, 12 de junho de 2011

Alexei Bueno: livro de haicais

Marchando no tempo,
Antes de tudo, e após tudo,
Soberbo, o silêncio.

BUENO, Alexei. Livro de haicais. Poesia reunida. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2003, p.218.

a libertação pelo sonho (escrito ao som de "Criaturas da Noite")

Sonhei esta tarde, ao tirar um cochilo, algo que beira o inenarrável. Minha família compareceu em peso, os fantasmas, os monstros, os ódios e sentimentos recalcados. Mas talvez também algum amor. Se tivesse que escolher um cerne para este sonho, diria que é a questão da luz e da escuridão. Acabo de me mudar para uma casa cuja sala tem uma iluminação muito bonita, mas que me preocupa um pouco quanto à fatura da Light. Preocupação fútil, provavelmente, mas estou mantendo, na maior parte do tempo, a sala numa semi-penumbra, até porque frequento-a pouco, trabalhando num quarto transformado em escritório, e durante o dia o sol dá conta do recado. Eu sei bem o que está acontecendo: é o fantasma da pobreza rondando, assumindo a cada vez uma face. Por que o fantasma da pobreza? À luz do dia, rondam-me as contas, compatíveis com o salário. Na escuridão da noite improvisada durante o dia explodem imagens de sombra invadindo a luz, tomando seu espaço, mas que lançam luz sobre as luzes da minha nova casa, uma casa que não é minha, mas da qual me sinto dona, pelo modo como tudo se deu, principalmente por saber que a mereço.

No sonho, estou numa casa em que as luminárias se multiplicam, de maneira caótica, e as luzes começam a queimar, a se apagar, e a casa vai sendo tomada pela escuridão. A casa parece ser feita de vários estratos, há pedaços de pano pendurados, é possível distinguir o telhado, e então já sei (agora sei) onde estou: estou na casa da minha infância (e na infância da minha casa), aquela em que nasci (literalmente), no interior do ES, cujo telhado era sem forro, então era possível ver por dentro as telhas francesas. Minha mãe aparece no sonho mudando a iluminação da casa, trocando as lâmpadas de lugar, e então não é mais a minha casa, e sinto ódio dela por isso: porque a casa vai ficando feia, estranha, escura, e tem algo estranho também acontecendo: alguém, cujo destino é ininteligível, vai morrer ou ser condenado a algo muito ruim. Este alguém aparece com a face do Mel Gibson (provavelmente porque eu não gosto dele, ou porque ele protagonizou/dirigiu filmes muito violentos, aliás um ator de qualidade bastante duvidosa, sem contar as notícias de violência contra mulheres). Fechado o parêntese "Mel Gibson": no final do sonho ele está indo em direção a um destino ingrato, impossível de ser relatado exceto no modo como as coisas se  passaram no sonho. Não sei o que ele é, o que faz/representa ali, mas meu pai aparece-me de repente dizendo qualquer coisa sobre, e é um consolo o que ele diz. O meu Hermógenes também aparece, mas não está ameaçador nem perigoso. 

Enquanto isso, vou tentando salvar as luzes (a iluminação) da casa, que vai ficando progressivamente escura, feia, com aspecto de pobre, não parecendo mais a casa de antes (qual casa?), e o contraponto é a casa dos meus tios na Barra da Tijuca, confundida com a sala da minha atual casa: há uma decadência qualquer em curso, não é mais o mesmo ambiente elegante de antes. Vejo que minha mãe fez uma gambiarra qualquer para iluminar (mal) um dos cômodos, que é seu quarto de costura (tão diferente de falar em quarto transformado em escritório...), há muitos panos pendurados, e o caos é tal que tenho certeza de estar diante de uma tela de Picasso. Sinto piedade pela minha mãe, ela está apenas tentando trabalhar. Eu continuo, no sonho, tentando conter o avanço da escuridão (cuja face é progressivamente a da pobreza), preciso comprar novas lâmpadas, mas há uma infinidade de luminárias suspensas, e um de meus irmãos aparece de relance dormindo, enquanto a criatura estranha vivida pelo Mel Gibson segue seu destino indescritível, e que parece ser muito ruim. Alguma coisa me sufoca, percebo que estou engasgando, com dificuldade de respirar, e desse embate acordo já no início da noite. Ao contrário do que eu esperava, a visita da minha mãe, ontem, foi rápida, as circunstâncias não permitiram que ela ficasse, e algo em mim desandou. No entanto, desse desarranjo veio um sonho libertador, com criaturas conhecidas e irreconhecíveis, e eu jamais poderei esquecer que vi no quarto de costura da minha mãe uma tela de Picasso. Continuo apreciando as criaturas da noite.

Cortina de Fumaça (Wayne Wang e Paul Auster, EUA, 1994)


A passagem do tempo, capturada em flagrantes diários, o mesmo lugar, a mesma hora, pelas lentes de uma objetiva. Ficou-me deste filme a memória desses instantâneos cotidianos e a figura melancólica do personagem interpretado por William Hurt. O tempo como uma cortina invisível a esconder as vidas, as pessoas, umas das outras. E então surge o inusitado álbum de fotografias, a vida contada por si mesma. Mais do que isso, o regresso do cinema à sua origem, às imagens em movimento. Entre as imagens e as pessoas a cortina sutil do tempo, escupindo em suas vidas histórias de que participam, mas, como num teatro, mais abertas ao olhar do outro, quando as cortinas se abrem, que ao próprio olhar. Não sei o que é visto quando alguém me vê, pois não posso sair de mim. AQUI um comentário sobre o filme.

não há dia em que esta gaitinha não possa me alegrar (um curta)

Parodiando alguns escritores modernos, para quem não aguenta mais me ouvir falar em Bob Dylan, gentileza desconsiderar o post, ou voltar para o anterior enquanto o próximo não aparece, ou mesmo fechar a página (mas não deixar o blog...). É que eu amo de paixão esta gaitinha. E esta canção. E muitas outras dele. E é inevitável sentir-me subitamente alegre ao ouvir seus acordes.

música

a gaitinha do bob dylan sempre vai bem. 

Henrique Manuel Bento Fialho: o imponderável do amor

CONVITE

O ser convida-se a si 
próprio à terrível dança... 
Georges Bataille

Se eu soubesse dançar
convidava-te para um tango,
guiava-te nos labirintos do coração.
Voaríamos sobre os campos
como num desenho animado,
seríamos uma ameaça
à estabilidade nacional.

Se eu soubesse dançar
inventava-te um deus novo,
um deus que não temesse
o conhecimento do amor,
um deus que oferecesse à carne
o esplendoroso sangue
de um vulcão vivo.

Mas há o peso a urdir
o fim que vem do céu
para a terra e na terra
se funde com a morte.
E há as folhas das árvores
sem nome, lavadas pelo frio,
que alargam os braços
à medida do tronco do tempo,
abraçam-nos, dançam com o tempo
em tanto silêncio.

Sobre a terra continua a cair todo o céu.
E no entanto a respiração do mundo
atinge-nos como um estrépito,
também nós dançamos o tango silencioso,
nossos braços transformados em ramos,
nossos dedos como folhas pesadas.

E por dentro o sangue transforma-se-nos
numa resina crua, mágica,
um segredo sem negrume
revelando-se em todas as palavras
naturalmente proferidas,
um segredo sem negrume
revelando-se no olhar,
na respiração do mundo
dentro de nós suspirada.

Manuel Henrique Bento Fialho. A dança das feridas. Edição do autor. Portugal, 2011, p. 7-8.

O excelente livro A dança das feridas, composto por poemas cujo mote são relações amorosas sublinhadas pela história (conforme apresentado AQUI), distingue-se pela sutileza com que a pele dos casais encenados é transmutada em poesia. Destaco os poemas "Rainer Maria Rilke a Lou Andréas-Salomé", "Declaração" (lindíssimo), "Oscar Wilde a Lorde Alfred Douglas", "Sylvia Plath a Ted Hughes", "Sid Vicious a Nancy Spungen", "Henry Miller a Anaïs Nin", e o poema que fecha o livro, "Amor e Morte", de que transcrevo um verso: "A ruína não é coisa que se traga a tiracolo." Já o amor costuma dar ares novos a quem o experencia, afastando ilusoriamente a morte. O poema "Convite" abre o livro: convite à leitura, convite ao leitor para o teatro do amor, vivido nos recessos onde o ser se sabe mais íntimo, com o contraponto talvez de não saber muito bem o que, quem ou para o que está convidando. O livro pode ser adquirido diretamente com o poeta e escritor Henrique Fialho, que mantém o blog antologia do esquecimento.