Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.
terça-feira, 15 de outubro de 2019
domingo, 13 de outubro de 2019
Poema da Inútil Busca - João Carlos Teixeira Gomes
Onde estou, que já me esqueço,
mais evadido que achado,
por sob a máscara de gesso
com que oculto o meu fado?
Porque tenho que esconder-me
pondo nos cantos da boca
um tal sorriso que, ao ver-me,
deplore essa glória oca?
Eu, que me chamo João,
aonde irei, se não fui chamado,
perdendo os passos no chão
sem que chegue a qualquer lado?
Que mulher de porte egrégio
há-de servir-me de porto
jungida ao meu sortilégio
com um olho aceso e outro morto?
Onde estará meu destino
de rei sem manto ou coroa
rendido ao seu desatino
de pedir à dor que não doa?
E o cão que outrora tive
de magoado focinho
acaso é morto ou ainda vive
perdido do meu carinho?
Onde os amigos fiéis
que morreram, de tão poucos?
Ao meu olhar de revés
onde vê-los, sãos ou loucos?
Onde estou, que já me esqueço,
mais evadido que achado,
por sob a máscara de gesso
com que oculto o meu fado?
BRAGA, Rubem.
A poesia é necessária. Org. André
Seffrin. São Paulo: Global, 2015, p.146-147.
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