Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.
sábado, 29 de setembro de 2012
quinta-feira, 27 de setembro de 2012
Alexei Bueno
ESPÓLIO
Que guardaremos disso
tudo? A gema
Inconcebível entre o
horror e o encanto,
Ou o ancestral silêncio,
ou o ágil canto
Que o tem por tema?
A úmida muralha morna e
turva
Com que a dor nos
estreita, o fim cinzento
Do dia, a rosa, o raio,
ou, numa curva
De um sonho, o vento?
BUENO, Alexei. Em sonho. Poesia reunida. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 2003, p.406.
Miguel Marvilla
O SER
INTRANSITIVO
Sim,
estou aqui
(nesta esquina),
mas não
como paisagem:
como um
fato qualquer,
sem motivo
aparente.
A causa de
eu estar aqui
não é
outra senão
o presente
do indicativo,
coisa sem
vício
ou
solução.
Estou ― é
quanto basta.
Qualquer outro
verbo,
tempo,
modo, ou lugar,
será velho
ou
irregular.
Miguel Marvilla.
Lição de labirinto. Vitória: Fundação
Ceciliano Abel de Almeida, 1989, p.81.
terça-feira, 25 de setembro de 2012
ingratidão de domingo
E no domingo, quando voltava da academia e tentava
arriscar alguma fruta boa no mercadinho ordinário, dei de cara com um gato
morto. Quase me estraga o almoço.
domingo, 23 de setembro de 2012
Nuno Júdice
POÉTICA
Evitem o modelo grego: a perfeição das
linhas,
a limpidez do mármore, o azul do mar. No
fundo, é
onde o corpo se deixa contaminar pelas
cores
baças do amor que a luz nasce, como um
caule
de inverno; e é por dentro do fruto que
a chuva
apodrece que a vida insiste.
Nuno Júdice. Por dentro do fruto a
chuva. São Paulo: Escrituras, 2004, p.83.
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