Hauschka - Morgenrot from Jeff Desom on Vimeo.
Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.
quinta-feira, 20 de dezembro de 2012
rilke em tradução de josé paulo paes
Dá a cada um a sua própria morte,
Senhor.
O morrer que lhe vem daquela vida
onde teve
seu sentido e onde conheceu amor e
dor.
Rainer Maria Rilke: poemas. Trad. José Paulo Paes. São Paulo:
Companhia das Letras, 2012, p.75.
Dora Ferreira da Silva
MODOS DE AMAR
Ouço o que dizem, digo.
E a fala nos degreda.
Oram por mim, por eles oro
na igreja abandonada.
Amar se dá contrito
precisando da dor para se dar.
Na alegria só os pássaros nos querem:
perto o canto cordas puras
pequenos corações do ar.
Dora Ferreira da Silva. Poesia reunida. Rio de Janeiro:
Topbooks, 1999, p.351.
cansaço
O cansaço finalmente chegou às palavras. Vontade de
prolongar indefinidamente o silêncio, para talvez escutar o que em mim é grito, que não poderei escutar sem as palavras, a voracidade de dizer e dizer, sempre mais.
quarta-feira, 19 de dezembro de 2012
trecho de conversa: tentando ouvir
― Vivemos
tempos loquazes: todos falam muito, no twitter, no facebook, na blogosfera. Mas
ouvir, ouvir é para poucos.
[...]
― O barulho em volta é muito grande mesmo e confunde.
Acho que todo mundo precisa desesperadamente, nesses "tempos
loquazes" que você interpreta tão bem nessa expressão sintética, desse
cuidado, consigo e com os outros.
Murilo Mendes: "Signo de futura realidade sou"
O ESPELHO
O céu investe contra o outro céu.
É terrível pensar que a morte está
Não apenas no fim, mas no princípio
Dos elementos vivos da criação.
É terrível pensar que a morte está
Não apenas no fim, mas no princípio
Dos elementos vivos da criação.
Um plano superpõe-se a outro plano.
O mundo se balança entre dois olhos,
Ondas de terror que vão e voltam,
Luz amarga filtrando destes cílios.
O mundo se balança entre dois olhos,
Ondas de terror que vão e voltam,
Luz amarga filtrando destes cílios.
Mas quem me vê? Eu mesmo me verei?
Correspondo a um arquétipo ideal.
Signo de futura realidade sou.
Correspondo a um arquétipo ideal.
Signo de futura realidade sou.
A manopla levanta-se pesada,
Atacando a armadura inviolável:
Partiu-se o vidro, incendiou-se o céu.
Atacando a armadura inviolável:
Partiu-se o vidro, incendiou-se o céu.
MENDES,
Murilo. Poesia completa e prosa. Rio
de Janeiro: Nova Aguilar, 1994, p.443.
terça-feira, 18 de dezembro de 2012
olhando para frente
Restou-me, dos grandes ideais com que me construí,
trabalhar. Uma canção de Chico Buarque fala da distância
entre intenção e gesto. Quase um abismo, se o fator tempo se inserir entre
ambos. Que tenho eu em comum com a adolescente que fui, exceto habitarmos um corpo
que nem ao menos pode ser chamado de mesmo? Há mais descontinuidades que qualquer
coisa na linha imaginária de uma vida. Trabalho não como quem alimenta seus
ideais de juventude, mas para obter o alimento com que poderei continuar ―
trabalhando, vivendo... num estilo se possível minimalista. Restou-me também
escrever, e este é o contraponto que reconheço como pertencimento a mim mesma, e ao mundo.
segunda-feira, 17 de dezembro de 2012
Assinar:
Postagens (Atom)