Sou essencialmente melancólica — a vida me parece
quase sempre um circo trágico. Ao mesmo tempo, coexistindo com isso, tenho um senso
de humor constante, que me faz rir do que em princípio poderia parecer sem
graça. Exemplo? Certas passagens de Machado de Assis, como esta, de “O
alienista”: “Verdade é que, se todos os gostos fossem iguais, o que seria do
amarelo?” Machado está falando de uma coisa séria, e de repente introduz uma
comparação que quebra a seriedade do tema e confirma a falta de sentido da
ciência do alienista, comparação que é, também, muito próxima do senso comum. Deve
ser isso que faz rir, produz a comicidade. E também imaginar o próprio Machado
escrevendo isso, pilheriando com o leitor.
Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.
sexta-feira, 31 de julho de 2015
quarta à noite
Na quarta, bar ótimo, cerveja boa e amigos dando show
de interpretação de “Heart of Gold”. Nem tudo é notícia ruim — e o bar fica
perto de casa.
terça-feira, 28 de julho de 2015
oitavo andar
Moro no oitavo andar, como diz a música. Na verdade,
contando o play e os dois pisos de garagem, moro no 11º. Trata-se de imóvel
alugado, cujo contrato, recentemente renovado, encerra-se em 2017. Como o condomínio
do prédio deixa muito a desejar, impõe-se, quando o contrato encerrar, procurar
outro imóvel, maior de preferência. Também alugado. E de novo em andar alto. A maré econômica não está dando trégua, e torna-se remota a hipótese de financiar
um imóvel — as condições (entrada e juros) pegaram o elevador da crise, resposta para quase tudo que está
ruim no país. Aos bancos e aos graúdos que estão no comando da economia do país não
interessa que o brasileiro comum tenha condições facilitadas, humanas, de adquirir
um imóvel. Então se aluga um. De mais a mais, a que (ou a quem) ainda serve o
sonho da casa própria? Que mito se esconde aí? Talvez o de poder bater um prego
na parede sem ter que explicá-lo (depois). Ao diabo todos os proprietários de
imóvel, que impõem, mediante o disfarce da lei, condições azedas a quem
simplesmente quer morar em paz, pagando em dia por isso. Ao diabo.
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