Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.
sábado, 9 de junho de 2012
Dora Ferreira da Silva
NOTURNO II
Nossos olhos nos pertencem ―
não o dia.
Amor não nos pertence
nem a morte.
Apenas pousam na pérola mais fina.
Desce o luar
no flanco de rios precipitados
folhas se alongam
caules estremecem.
A noite já desfere
seu punhal de trevas.
Dora Ferreira da Silva. Poesia reunida. Rio de Janeiro: Topbooks, 1999, p.46.
sexta-feira, 8 de junho de 2012
saúde
Há dias em que sou obrigada a concordar com Clarice Lispector: "Ter nascido me estragou a saúde."
quinta-feira, 7 de junho de 2012
João Cabral de Melo Neto
Há gente que se
gasta
de dentro para fora,
e há gente que
prefere
gastar-se no que
choca:
nesta pertence
aquela
sempre
vertiginosa
que
parece habitar
num
corpo sobre rodas;
gente
que não consegue
parar
nenhuma hora
e
que assim se aproveita
de
toda sua corda
para
andar se atirando
contra
as coisas em volta,
talvez
com esperança
que
uma seja pistola.
Talvez,
é por prezar
o
mundo em que se mova
(a
espessura tranquila
de
uma coisa que pousa,
a
mansidão da coisa
que
aceita virar outra)
que
essa gente se atira
aos
trancos entre as coisas.
Não:
é porque ouviriam,
se
parassem uma hora,
a
voz da alma vazia
dobrando
dentro, morta,
a
voz que dobra em muitos
mas
que neles redobra
porque
dentro de crânios
vazíissimos,
de abóboda.
MELO NETO, João Cabral de. Serial e antes. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1997, p.300-301.
quarta-feira, 6 de junho de 2012
passarinhos
“Aí passarinhos
que já vão voando, com o menorzinho ralo de luz eles se contentam, para seu só
isso de caçar o de comer.” (Grande sertão: veredas. 19.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001, p.226)
terça-feira, 5 de junho de 2012
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