Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.
sábado, 1 de fevereiro de 2014
quinta-feira, 30 de janeiro de 2014
terça-feira, 28 de janeiro de 2014
água viva
"Estou
cansada. Meu cansaço vem muito porque sou pessoa extremamente ocupada: tomo
conta do mundo. Todos os dias olho pelo terraço para o pedaço de praia com mar
e vejo as espessas espumas mais brancas e que durante a noite as águas
avançaram inquietas. Vejo isto pela marca que as ondas deixam na areia. Olho as
amendoeiras da rua onde moro. Antes de dormir tomo conta do mundo e vejo se o
céu da noite está estrelado e parece azul-marinho porque em certas noites em
vez de negro o céu parece azul-marinho intenso, cor que já pintei em vitral.
Gosto de intensidades. Tomo conta do menino que tem nove anos de idade e que
está vestido de trapos e magérrimo. Terá tuberculose, se é que já não a tem. No
Jardim Botânico, então, fico exaurida. Tenho que tomar conta com o olhar de
milhares de plantas e árvores e sobretudo da vitória-régia. Ela está lá. E eu a
olho.
Repare
que não menciono minhas impressões emotivas: lucidamente falo de algumas das
milhares de coisas e pessoas das quais tomo conta. Também não se trata de
emprego, pois dinheiro não ganho por isto. Fico apenas sabendo como é o mundo.
Se
tomar conta do mundo dá muito trabalho? Sim. Por exemplo: obriga-me a me
lembrar o rosto inexpressivo e por isso assustador da mulher que vi na rua. Com
os olhos tomo conta da miséria dos que vivem encosta acima.
Você
há de me perguntar por que tomo conta do mundo. É que nasci incumbida.”
Clarice
Lispector. Água viva. Rio de Janeiro: Rocco, 1998, p.60-61.
segunda-feira, 27 de janeiro de 2014
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