O JB, quando ainda circulava na versão impressa, tinha uma
coluna ― ou algo similar, pelo menos quando eu ainda lia o jornal ― intitulada
“Sábado no Rio”, que eu percorria sem grande curiosidade, mas que me ficou na
memória ― pelo menos o título. Na época, eu não podia sonhar que um dia viria
morar nesta cidade. O sábado no Rio, conforme apresentado pela simpática
coluna, era uma coisa que se passava num reino bem distante, quase em outra
galáxia. Tratava-se de uma leitura (ou leitora) pitoresca. Mas, de fato, a grande mestra disso
tudo é a memória. Eu teria me esquecido dessa coluna por completo se não
tivesse vindo morar no Rio de Janeiro e prestado atenção em seu sábado, por
outro ângulo, diga-se. O (meu) sábado no Rio tem pouco a ver com a substância
porosa que guardei da leitura da coluna antiga, e foi por contraste que a
memória trabalhou. Porque eu sei que é diferente, mas não sei explicar como nem
por quê. A memória deu contorno a uma experiência, mas essa experiência é
singular.
Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.
sábado, 30 de junho de 2012
relendo grande sertão: veredas (XXIII)
“Às vezes, pedi que ele cantasse para mim os versos, os que eu não esqueci nunca, formal, a canção de Siruiz. Adiante versos. E, quando ouvindo, eu tinha vontade de brincar com eles. Minha mãe, ela era que podia ter cantado para mim aquilo. A brandura de botar para se esquecer uma porção de coisas ― as bestas coisas em que a gente no fazer e no nem pensar vive preso, só por precisão, mas sem fidalguia.”
ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. 19. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001, p.260.
sexta-feira, 29 de junho de 2012
decantando o dia de hoje...
...
reserva de pousada em paraty para a 2ª semana de julho, para mim e uma amiga; saindo
de casa com atraso; documento do exame esquecido em casa; horário do exame
perdido; remarcação do exame para mais tarde; conclusão de um trabalho; envio
de e-mail de trabalho; saída para o exame; tráfego intenso na ayrton senna;
parada na etna para comprar uma estante; desistindo de vez da cama box para
comprar uma cama charmosa e bem em conta na liquidação da etna; como as coisas
vendidas nesta loja são bonitas e tentadoras; conclusão da compra da estante e
da cama; saindo em cima da hora para o barra shopping; chegada ao barra
shopping para o exame; informação de que confundi o horário do exame (que,
pelas evidências, não era mesmo para ser feito hoje); remarcação do exame para
amanhã; almoço no barra shopping; aquisição de uma agenda telefônica na
saraiva; retorno para a taquara, com quase uma hora de congestionamento e
lentidão na altura da cidade de deus (um trânsito de testar a paciência de
qualquer motorista), para resolver pendência nas casas bahia; dor de cabeça
intensa, pelo dia cheio de coisas a fazer e resolver, em especial o que
faltava; pausa para uma long neck com bolinho de bacalhau na taquara, para
refrescar o ânimo; rumo das casas bahia, para cancelar a compra da cama com
defeito; enfim, home sweet home.
quinta-feira, 28 de junho de 2012
fotografia antiga
Como, em tão curto espaço de tempo, alguém
pode se sentir tão diferente? Ninguém nasce só uma vez ― nem mesmo a morte detém
a unicidade, pois é um completo mistério. Mas é como se ao longo da vida ― e deve-se sublinhar esta
palavra, vida ― fosse ocorrendo uma espécie de negociação entre vida e
morte: a cada etapa de renovação (renascimento) que uma pessoa experimenta,
alguma coisa nela morreu. E por isso, às vezes, a vaga sensação de
estranhamento, diante, por exemplo, da imagem que o espelho oferece, ou de uma
fotografia que de repente parece antiga.
quarta-feira, 27 de junho de 2012
extraindo palavras do silêncio
Ontem,
em mais uma sessão de análise em que me perguntava, antes, e diante de um
trânsito congestionado e desanimador, o que iria dizer, acabei extraindo da
vontade de silêncio (diante de um analista essa vontade muitas vezes é
imperiosa) a constatação de que saí de uma situação bastante complicada
escrevendo ― o que não deixa de acordar algumas cositas neste espaço.
segunda-feira, 25 de junho de 2012
docência
Não existe ex-professor, assim como não há
ex-médico, ex-engenheiro, ex-advogado, no sentido com que usualmente se diz
“ex-professor”. O aluno pode se tornar ex-aluno, mas isso não necessariamente
remete seus professores à categoria de ex, simplesmente porque o professor,
quando foi seu professor, foi por inteiro, e o trabalho feito não se perdeu ― a não ser que o aluno nunca, de fato,
tenha sido aluno, o que dispensaria, por sua vez, de pensar em ex-aluno. A
oração “quando foi seu professor” não pressupõe esta outra,
“quando foi professor”: o professor não deixa de ser professor quando o aluno
deixa a escola ― deixa de ser aluno ―, pois o exercício de sua profissão não se restringe,
temporalmente, à vivência que o aluno teve com ela.
domingo, 24 de junho de 2012
arca de babel
Ancelmo Gois relata, em sua coluna de O Globo deste domingo, que um
diplomata definiu a Rio+20 como Torre de Noé, em virtude de parecer, pela
diversidade dos participantes, uma mistura de Torre de Babel com Arca de Noé. Trocando em miúdos: confusão a bordo da nave-discurso da sustentabilidade,
com risco de naufrágio.
Assinar:
Postagens (Atom)