Cuspi na zona de espraiamento — aquela parte mágica da
praia em que se caminha molhando a pequenos intervalos os pés —, e fiquei
esperando a onda que viria integrar aquela parte desprezível de mim ao suco
salgado do mar.
Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.
sábado, 22 de março de 2014
Manuel Bandeira
A LUA
A proa reta abre no oceano
Um tumulto de espumas pampas.
Delas nascer parece a esteira
Do luar sobre as águas mansas.
O mar jaz como um céu tombado.
Ora é o céu que é um mar, onde a lua,
A só, silente louca, emerge
Das ondas-nuvens, toda nua.
BANDEIRA, Manuel. Estrela da vida
inteira. 20.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993, p.238.
sexta-feira, 21 de março de 2014
quinta-feira, 20 de março de 2014
quarta-feira, 19 de março de 2014
Carlos Pena Filho
SONETO DAS DEFINIÇÕES
Não falarei das coisas, mas de inventos
e de pacientes buscas no esquisito.
Em breve, chegarei à cor do grito
à música das cores e dos ventos.
Multiplicar-me-ei em mil cinzentos
(desta maneira, lúcido, me evito)
e a estes pés cansados de granito
saberei transformar em cataventos.
Daí, o meu desprezo a jogos claros
e nunca comparados ou medidos
como estes meus, ilógicos, mas raros.
Daí também, a enorme divergência
entre os dias e os jogos, divertidos
e feitos de beleza e improcedência.
Os melhores poemas de Carlos Pena Filho. 4.ed. são Paulo:
Global, 200, p.91.
terça-feira, 18 de março de 2014
Paulo Henriques Britto
Dentro da noite que construo aos
poucos
para meu próprio uso, tudo é sombra
em que repouse a vista, salvo a lua
eventual, que me ilumine o espaço
que falta eliminar e meça o tempo
em que me esqueço a contemplar o
tédio
que descasco e rejeito, em que
dispenso
a luz do dia, excesso que não quero
ou não mereço, luxo que desprezo
sem sombra de arrependimento ou
luto.
Aqui onde me resto tudo é meu
e mudo, e a noite me cai muito leve
sobre os ombros frios, como um manto,
ou como
um outro pano mais definitivo.
Paulo Henriques Britto. Mínima lírica. 2.ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2013,
p.27.
domingo, 16 de março de 2014
Emily Dickinson
Cirurgiões
precisam ter cautela
Com
sua lâmina afiada –
Por sob as finas incisões se agita
A Vida – essa Culpada!
Surgeons
must be very careful
When
they take the knife!
Underneath
their fine incisions
Stirs the Culprit – Life!
DICKINSON, Emily. Alguns poemas. Trad. José Lira. São Paulo: Iluminuras,
2008, p.240-241.
Assinar:
Postagens (Atom)