Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


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sexta-feira, 27 de agosto de 2010

o seu olhar melhora o meu

O seu olhar
Arnaldo Antunes / Paulo Tatit - 1995

o seu olhar lá fora
o seu olhar no céu
o seu olhar demora
o seu olhar no meu

o seu olhar seu olhar melhora
melhora o meu

onde a brasa mora
e devora o breu
onde a chuva molha
o que se escondeu

o seu olhar seu olhar melhora
melhora o meu

o seu olhar agora
o seu olhar nasceu
o seu olhar me olha
o seu olhar é seu

o seu olhar seu olhar melhora
melhora o meu


quinta-feira, 5 de agosto de 2010

sala de espelhos

Há milhares de _________s.
Um __________ acontece quando se vai longe demais.
A miragem que um sujeito cava pra si mesmo é a face escura do ___________.
A face clara do ________ é o _________.
O __________ é o lugar de se cultivar a sede.
Não há __________s quentes.
O Saara e o Pólo são _________s frios,
como tudo que a distância faz.
No _________ se anda em círculos.
Não se sabe o tamanho de um _________,
se ele vai mais fundo.
De dentro tem o tamanho do mundo.

Arnaldo Antunes. Psia

 lacunas preenchidas em poema alheio

Há milhares de mulheres.
Um desastre acontece quando se vai longe demais.
A miragem que um sujeito cava pra si mesmo é a face escura do desejo.
A face clara do poema é o comichão.
O bar é o lugar de se cultivar a sede.
Não há mortos quentes.
O Saara e o Pólo são paraísos frios,
como tudo que a distância faz.
No quarto se anda em círculos.
Não se sabe o tamanho de um beijo,
se ele vai mais fundo.
[Por dentro tudo tem alguma manha do mundo.]

Orlando Lopes. Nô.made.s

In: Wilberth Claython Ferreira Salgueiro [Bith]. Forças e formas: aspectos da poesia brasileira contemporânea (dos anos 70 aos 90). Vitória: EDUFES, 2002, p.155.