O post que segue é dos meus preferidos, pelo resgate de leituras feitas e, em alguns casos, refeitas, concernentes à noção de beleza. Como estava perdido num canto qualquer do mês de abril, resolvi trazê-lo para o momento presente, em que a leitura por aqui se tornou mais movimentada, e a questão voltou à baila, pelo poema do Manuel Bandeira e seu verso contundente: “― Era belo, áspero, intratável.” Esta uma das vantagens da blogosfera ― reordenar textos a partir de novos con-textos. Segue: um comentário anterior, sobre um trecho de um poema de Alberto Caeiro, remeteu-me ao conceito de beleza. O trecho do poema: "Às vezes, em dias de luz perfeita e exata,/ Em que as cousas têm toda a realidade que podem ter,/ Pergunto a mim próprio devagar/ Por que sequer atribuo eu/ Beleza às coisas.// Uma flor acaso tem beleza?/ Tem beleza acaso um fruto?/ Não: têm cor e forma/ E existência apenas.// A beleza é o nome de qualquer cousa que não existe/ Que eu dou às cousas em troca do agrado que me dão./ Não significa nada./ Então por que digo eu das cousas: são belas?" (Fernando Pessoa. O eu profundo e outros eus. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, p. 153-154). Descobri depois, via Joyce, que a ideia é antiga, remonta a São Tomás de Aquino (pulcra sunt quae visa placent). Há um diálogo extenso, no Retrato do artista quando jovem, discutindo a questão. Uma hora, se animar, transcrevo na íntegra. Por ora, o cerne. Diz Stephen Dedalus: "(...) embora o mesmo objeto possa não ser bonito para toda a gente, toda gente pode admirar um objeto bonito, encontrar nele certas relações que satisfaçam e coincidam com os estágios próprios mesmos de toda a apreensão estética. Tais relações do sensível, visíveis para mim através de uma forma e para ti através de outras, devem ser, por conseguinte, as necessárias qualidades da beleza. Já agora podemos voltar ao nosso velho amigo São Tomás para outros dez vinténs de sabedoria." (James Joyce. Retrato do artista quando jovem. Trad. José Geraldo Vieira. 6. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004, p. 235). Reparar na distinção sutil, mas fundamental, entre "toda a gente" e "toda gente".
Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.
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terça-feira, 7 de setembro de 2010
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