Enquanto tomava banho e repassava a difícil semana, as idas e vindas a médicos nos últimos dias, me ocorreu que a linguagem é inseparável do que sou (e não sou), e portanto dos problemas de saúde que tenha ou venha a ter. A linguagem ― a escrita ― é uma forma de expurgar males orgânicos, e então duas coisas aconteceram concomitantes: ao dirigir-me à máquina de lavar para deixar uma peça de roupa, insensivelmente caminhei para a lixeira da cozinha e abri-a, e só então me dei conta do que estava fazendo, e recordei no átimo uma fala antiga, escutada de uma professora versada em atos falhos: relatava que uma moça, ao falar sobre jogar as roupas no cesto de roupa, teria dito: vontade de jogar todas essas roupas no cesto de lixo. Os problemas, quantas vezes, quando não se consegue lavá-los como uma roupa suja, que tentação, que vontade desfazer-se deles pelo cesto de lixo. Pelo menos ao escrever, não importa se lixo, eu estou me limpando um pouco mais por dentro, complementando o banho. Talvez haja formas mais elaboradas de fazer isso, mas a sintaxe também oprime.
Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.
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