Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Miguel Marvilla

O SER INTRANSITIVO

Sim,
estou aqui (nesta esquina),
mas não como paisagem:
como um fato qualquer,
sem motivo aparente.

A causa de eu estar aqui
não é outra senão
o presente do indicativo,
coisa sem vício
ou solução.

Estou ― é quanto basta.

Qualquer outro verbo,
tempo, modo, ou lugar,
será velho
ou irregular.

Miguel Marvilla. Lição de labirinto. Vitória: Fundação Ceciliano Abel de Almeida, 1989, p.81.

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