Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


domingo, 7 de abril de 2013

Rainer Maria Rilke

Se bem, como de uma prisão odiada e sofrida,
cada um de nós forceje por escapar de dentro
de si próprio, existe no mundo um grande portento
que sinto a cada passo: toda vida é vivida.

Quem a vive então? As coisas que, no fim do dia,
jamais executada melodia,
permanecem como sons numa harpa armazenados?
Vivem-na os ventos das águas desatados?
Ou os ramos, com os seus gestos descompassados?
Ou as flores, com os seus aromas misturados?
Ou das aleias, o longo leito sombreado?
Ou os animais cálidos que andam sobre o chão?
Ou, pelo céu afora, as aves de arribação?

Quem a vive? És tu, Deus, que vives a vida então?


Rainer Maria Rilke: poemas. Trad. José Paulo Paes. São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p.69.

Nenhum comentário:

Postar um comentário