Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


domingo, 20 de outubro de 2013

Paulo Henriques Britto

POÉTICA PRÁTICA

A realidade é um calhamaço insuportável? 
Tragam-me então resumos.
 
A vida que se leva é um filme inassistível?
 
Vejamos só os anúncios.

São os limites do corpo intrusões malignas 
de um demiurgo escroto?
 
O corpo não é preciso, e o espírito é
 impreciso: 
eu não é um nem outro.

Anda inconveniente a tal da poesia, 
a significar?
 
Nada como um bom significante vazio
 
para abolir o azar.

Paulo Henriques Britto. Formas do nada. São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 18.

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