Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


domingo, 22 de fevereiro de 2015

a morte (sentimentos confusos)

A morte desafia as definições bem assentadas de dicionário. Ela é um incômodo, um desconforto, um espinho fisgando a carne e afetando a alma. Uma dor, sobretudo, um fantasma rondando a lembrar que o fim de todos é debaixo da terra, roídos por vermes e sem agasalho ou proteção em noites de chuva. Alguma coisa da vida ou da consciência sobrevive à morte física, orgânica, à morte do corpo? Se sim, haverá horror maior que morrer? Claro que há: o catálogo de horrores desse mundo aquém-túmulo parece infindável e inesgotável, mesmo porque a imaginação humana não cansa de buscar excitação em fantasias macabras e aterrorizantes. Mas a morte não pertence ao domínio das monstruosidades fabricadas pelo homem, que não obstante estão intrinsecamente ligadas a ela. A morte, primariamente, pertence ao domínio da natureza. Não pode ser evitada. E dói, como se fizesse parte da vida. 

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