Ontem foi dia dos mortos. Saí para a caminhada
habitual, a recomendada pelos médicos, de fim de tarde. A chuva (também) habitual da
data começou enfim a cair, no momento em que saía. Sendo pouca, prossegui. Mas
logo engrossou, assumiu ares de chuva de finados. Não recuei. Ao contrário,
deixei que a chuva me lavasse e quem sabe levasse um pouco da ansiedade, da
respiração opressa. Já quando retornava, quase chegando em casa, me dei conta
de que aquela mesma chuva estará um dia encharcando o chão onde estarei enterrada.
E senti um enorme sufoco, uma falta de ar, e desejei viver, continuar vivendo,
simplesmente, por muito tempo, enquanto a mim isso for concedido.
Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.
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