Uma das fábulas de Millôr Fernandes termina pela
seguinte fórmula: o importante não é a morte, é o que ela nos tira. Quando me
pergunto o que a morte de David Bowie me tirou, descubro que a fórmula de
Millôr talvez merecesse revisão. A morte importa na medida em que nos tira algo,
essa é a sua dimensão. Ela importa, incomoda, pelo que tira, subtrai.
Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.
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