"A história da minha vida não existe. Ela não existe. Nunca há um centro. Nem caminho, nem linha. Há vastos lugares em que é de se crer que houvesse alguém, não é possível que não houvesse ninguém. A história de uma minúscula parte de minha juventude, já a escrevi mais ou menos, enfim, quero dizer, dei-a a perceber; falo justamente desta parte, a da travessia do rio. O que faço aqui é diferente, e parecido. Antes, falei dos períodos claros, dos que estavam esclarecidos. Aqui falo dos períodos encobertos dessa mesma juventude, de certos fatos, certos sentimentos, certos acontecimentos que enterrei. Comecei a escrever num meio que me impelia fortemente ao pudor. Escrever para eles ainda era moral. Escrever, agora, é muitas vezes como se não fosse mais nada. Às vezes sei disto: que a partir do momento em que não é mais, todas as coisas confundidas, ir ao sabor da vaidade e do vento, escrever não é nada. Que a partir do momento em que não é, a cada vez, todas as coisas confundidas numa só por essência indefinível, escrever não é nada senão publicidade. Mas na maioria das vezes não tenho opinião, vejo que todos os campos estão abertos, que não haveria mais muros, que a escrita não teria mais onde se esconder, onde ser feita, onde ser lida, que sua inconveniência fundamental não seria mais respeitada, mas não vou muito além."
DURAS, Marguerite. O amante. Trad.Denise Bottmann. São Paulo: Cosac Naify, 2007, p.12.
Nenhum comentário:
Postar um comentário