Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


terça-feira, 20 de setembro de 2011

Dora Ferreira da Silva

CONVERSA COM PESSOA

Ai, não ter a vida provas de revisão
para mudar-lhe as vírgulas, acrescentar-lhe pontos de interrogação
e sobretudo passar a limpo dores e amores
arranjar vasos de flores, ter um gato de estimação,
ouvir a rolinha e consolar-lhe a aflição...

Ai, não ter a vida provas de revisão
para endireitar-lhe as linhas, trocar palavras
e afinal arrancar as páginas todas do livro
e suprimir-lhe a edição.

Dora Ferreira da Silva. Poesia reunida. Rio de Janeiro: Topbooks, 1999, p.182.

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