Colocaram sob a porta um anúncio anotado a mão em pedaço de folha de caderno: "Vendo presépios" (seguido de um número de telefone). Os problemas se avolumam, o dinheiro entre eles, e eis que a fantasia do Natal, antes mesmo de entrar novembro, já está à venda. Se em vez de “Vendo presépios” viesse “Vendo Natal” talvez eu ficasse inclinada a ponderar ― afinal há Natal sem presépio, sem árvore, há Natal sem ceia. Pelo menos soaria menos vulgar, se é que há como escapar à vulgaridade quando há dinheiro envolvido, assumido no verbo vender. Os meus melhores Natais aconteceram quando eu pude me esquecer de que era Natal e me abster de seus apetrechos. Mas isso parece impossível e impensável quando, faltando ainda dois meses para a data, vêm anonimamente insinuar-se sob a porta, silenciosamente, num anúncio prévio da enxurrada bate-estaca que não deixará em paz até que amanheça 26 de dezembro e se possa dizer: Pronto, ufa! Acabou! Enquanto isso, já amassado o anúncio e remetido ao lixo, penso nas vantagens do vinho como emoliente da alma. As coisas realmente boas não precisam de propaganda.
Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.
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