Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


sexta-feira, 18 de novembro de 2011

companhia

Havia um exame a fazer, em centro médico localizado num grande shopping da cidade, com uma reserva de tempo. Primeiro passei na Fnac, mas estava muito cheia; dirigi-me então para a Travessa, onde, quando esses parênteses de tempo acontecem, pego dois ou três livros e procuro um sofá para ler um pouco. Os sofás confortáveis estavam todos ocupados, mas logo um desocupou. A ascensão do romance, de Ian Watt, não despertou meu interesse, pelo menos naquele contexto: não queria teoria. Fui percorrendo as páginas dos sonhos de Kafka (mas a tradução não era assinada pelo Modesto Carone), e fiquei abismada com a franqueza com que ele os expunha, alguns bastante bizarros, para as suas namoradas. Acima de tudo, com seu envolvimento com o mundo onírico. Deixei os pesadelos kafkianos de lado e comecei a ler O duplo, de Dostoievski, mas a confusão mental do protagonista crescia numa proporção geométrica com o avançar das páginas, juntando-se à minha, e mesmo já estava na hora do exame. Quando vou a livrarias e bibliotecas sinto um apaziguamento incomum. Deve ser a companhia.

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