Tenho
uma amiga que tem o dom da palavra, o que é menos comum do que se imagina. A
cada vez que a encontro consigo saber um pouco mais de mim, o que é outro modo
de dizer que consigo saber mais do mundo. E não posso deixar de considerar um
achado, um privilégio, ter conseguido construir uma amizade assim. Da última vez em
que estivemos juntas, conversávamos sobre o ritual dos aniversários, porque eu
completava anos naquele dia, e havia decidido fazer diferente. Atenta a um
movimento subjetivo que não é recente, a data ― que é uma passagem, a cada ano diferente ― foi perdendo para mim a
necessidade de estar em cena, na cena dos outros, para melhor exprimir. Foi deixando
de ser encenação de um “eu” que... ― tudo isso é muito complicado de dizer, e
há sempre o perigo de as palavras não alcançarem aquele ponto delicado em que
as coisas fazem enorme sentido para nós mesmos. E por isso pude perceber a
força expressiva do que minha amiga disse, me compreendendo mais do que eu
mesma: a gente já passou dessa fase mais frágil da existência.
Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.
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