Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Fernando Pessoa

Aqui, que é o fundo
Do fim do mundo,
Livre do tudo
De ter que ser,
Poderei, mudo
De mim, esquecer.

Sob o ermo e quedo
Grande arvoredo,
Dormindo experto,
Verei passar,
De  mim liberto,
Meu sonho no ar.

Ele é diverso
Do ser disperso
Com que, distinto
De mim sonhei.
Não penso; sinto.
Ignoro: sei.

Fernando Pessoa. Poesia 1931-1935. São Paulo, Companhia das Letras, 2009, p.236.

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