O carro-propaganda de uma farmácia passa berrando na
rua: “A Drogaria Exata deseja a todos os seus clientes um Feliz Natal e um ano
novo repleto de saúde.” Meu primeiro
pensamento: querem falir? Mas logo depois as coisas migraram para seu lugar: no
nosso tempo a saúde ― ou o que as pessoas chamam de saúde ― passa inevitavelmente
pela farmácia. Não há assim qualquer risco de falência ou contradição no anúncio. As filas
nas farmácias, que por sua vez se multiplicam em cada esquina, estão aí para
confirmar a constatação assombrosa de que saúde passou a significar doença a curar.
Felizmente as farmácias não são o único reduto da saúde.
Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.
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