Restou-me, dos grandes ideais com que me construí,
trabalhar. Uma canção de Chico Buarque fala da distância
entre intenção e gesto. Quase um abismo, se o fator tempo se inserir entre
ambos. Que tenho eu em comum com a adolescente que fui, exceto habitarmos um corpo
que nem ao menos pode ser chamado de mesmo? Há mais descontinuidades que qualquer
coisa na linha imaginária de uma vida. Trabalho não como quem alimenta seus
ideais de juventude, mas para obter o alimento com que poderei continuar ―
trabalhando, vivendo... num estilo se possível minimalista. Restou-me também
escrever, e este é o contraponto que reconheço como pertencimento a mim mesma, e ao mundo.
Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.
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