Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


sábado, 23 de fevereiro de 2013

garrafas ao mar: a víbora manda lembranças

Enquanto assistia ao documentário sobre Joel Silveira, lembrei-me de uma crônica dele lida já faz tempo ― e a memória, seletiva, guardou resquícios desta e mais duas ou três ― em que ele relatava estar andando sozinho num frio dezembro europeu (não me recordo a cidade, e talvez seja só minha a impressão de que era Natal) e deparou-se, de repente, num vitrine de livraria, com um livro da Clarice Lispector ― creio que Perto do coração selvagem, se a memória estiver me ajudando ―, e então ele sentiu seu coração subitamente aquecido, por aquele encontro, por encontrar alguém familiar na fria distância em que se encontrava, por encontrar uma garrafa lançada ao mar. Escrever é imperioso ― este é o maior testemunho que ficou da brilhante geração modernista de cronistas e repórteres brasileiros, porque a literatura era uma espécie de morada, parada obrigatória deles e delas.

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