Enquanto assistia ao documentário sobre Joel Silveira, lembrei-me de uma
crônica dele lida já faz tempo ― e a memória, seletiva, guardou resquícios desta
e mais duas ou três ― em que ele relatava estar andando sozinho num frio
dezembro europeu (não me recordo a cidade, e talvez seja só minha a impressão
de que era Natal) e deparou-se, de repente, num vitrine de livraria, com um
livro da Clarice Lispector ― creio que Perto
do coração selvagem, se a memória estiver me ajudando ―, e então ele sentiu
seu coração subitamente aquecido, por aquele encontro, por encontrar alguém familiar
na fria distância em que se encontrava, por encontrar uma garrafa lançada ao
mar. Escrever é imperioso ― este é o maior testemunho que ficou da brilhante
geração modernista de cronistas e repórteres brasileiros, porque a literatura era
uma espécie de morada, parada obrigatória deles e delas.
Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.
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