Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

o livro de horas

Amo as horas sombrias de meu ser,
nas quais se me aprofundam os sentidos:
nelas eu tenho achado, como em velhas cartas,
meu dia a dia já vivido, e feito
alguma lenda distante e sofrida.
Delas me vem a noção de que tenho
lugar numa outra vida mais ampla e infinita.

E eu às vezes me sinto feito a árvore
que, sobre um túmulo, madura e ciciante,
preenche o sonho de algum morto jovem
(a cuja volta ela aperta as raízes mornas)
perdido entre amarguras e cantigas.

RILKE, Rainer Maria. O livro de horas. Trad. Geir Campos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1993, p.19.

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