"Por que escolhi a delicadeza
como parte essencial da condição humana? Por não ser uma qualidade intrínseca
do humano. Isso é justamente o que a faz necessária. A delicadeza não é causa
de nossa humanidade, é efeito dela. Não é meio, é finalidade. O homem não é
necessariamente delicado ― daí a urgência de se preservar, na vida
social, as condições para a vigência de alguma delicadeza. Erramos ao
chamar os atos que nos repugnam de desumanos. O homem, não o
animal, usa de violência contra seu semelhante. O homem inventou o prazer da
crueldade: o animal só mata para sobreviver. O homem destrói o que
ama ― pessoas, coisas, lugares, lembranças. Se perguntarem a um homem
por que razão ele se permitiu abusar de seu semelhante indefeso, ele dirá: eu
fiz porque nada me impediu de fazer. O abuso da força é um gozo ao qual
poucos renunciam. Além disso, o homem é capaz de indiferença, essa forma
silenciosa e obscena de brutalidade. O homem atropela o que é mais frágil que
ele ― por pressa, avidez, sofreguidão, rivalidade ―, sem
perceber que com isso atropela também a si mesmo.”
KEHL, Maria Rita. Delicadeza. In: NOVAES, Adauto (Org.). A
condição humana: as aventuras do homem em tempos de mutações. Rio de
Janeiro: Agir; São Paulo: Edições SESC, 2009, p. 453-454.
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