VOZES DA MORALIDADE
Jânio de Freitas, Folha,
11/10/2015
A situação pessoal
embaraçosa, com o presumido risco de perder milhões de dólares resguardados no
exterior para não os perder, deve ter mexido com a frieza de Eduardo Cunha. Mas
Eduardo Cunha exagera, supondo-se "execrado". Muito ao contrário. Eduardo
Cunha não está sozinho, não foi abandonado por causa de acusações. E tanto
conta com fraternidades espontâneas, como dispõe de armas para produzir
interessados em não o incomodar. Ou só fazê-lo em último desespero de causa.
A verdadeira
atitude do PSDB, até ontem (10), de benevolência quando as provas contra
Eduardo Cunha já levam a pedidos de sua cassação, provém de duas vertentes. Os
taradinhos do impeachment preservam o presidente da Câmara porque esperam dele
que instale a ação para a derrubada de Dilma e não têm pudor de dizê-lo. Aécio
Neves não foi sugerir a Eduardo Cunha que se licenciasse coisa nenhuma, se nem
disfarçou o desejo de que seja poupado para encaminhar o processo. O
"aquilo" em que esses taradinhos só pensam não é aquilo, é o
impeachment.
A outra
vertente de proteção peessedebista a Eduardo Cunha veio dos mais velhos que
ainda influem no partido. São remanescentes do governo Fernando Henrique. Ou
seja, do escândalo das privatizações causado por grampos telefônicos que
levaram à saída forçada de ministros e de outros do governo, comprometidos com
fraudulências surpreendidas pelas gravações.
Confrontado
de repente com uma pergunta sobre a origem das fitas, o general Alberto
Cardoso, da Casa Militar, disse que foram encontradas sob um viaduto em
Brasília. A verdade era outra. A maior parte dos procedimentos para as
privatizações transcorreu no Rio, sede das empresas e do BNDES, além das
extensões de ministérios também envolvidos, como Indústria e Fazenda. Tudo se
passava, portanto, nos domínios territoriais e operacionais de Eduardo Cunha,
presidente da Telerj, a telefônica estatal do Rio, no governo Collor e até a
posse de Itamar Franco.
Logo, nada
de extraordinário que, pelas investigações ou por dedução, o circuito fechado
do governo Fernando Henrique desse as gravações como obra de Eduardo Cunha, que
em anos recentes já fora dado como responsável por grampos em série. No seu
"diário" de presidente, Fernando Henrique refere-se a Eduardo Cunha
deste modo, transcrito da revista "Piauí" pela Folha: "O
Eduardo Cunha foi presidente da Telerj, nós o tiramos de lá no tempo do Itamar
porque ele tinha trapalhadas, ele veio da época do Collor". Esse
"nós" é invenção da vaidade. Fernando Henrique estava indo para
Relações Exteriores e nada teve com a exoneração rápida de Eduardo Cunha,
decidida e feita por Itamar. Sem sequer considerar trapalhadas, mas, como
muitas outras demissões, por ser ligado a PC Farias.
Gravações
clandestinas não começam no exato momento comprometedor da conversa. Quem as
instalou pode fazer coleções de conversas, personagens e assuntos. E quem sabe
que gravações podem trazer-lhe complicações, diretas ou indiretas, não ousa
contra o possível colecionador. A não ser quando o veja batido, esvaído,
inerte. Como muitos têm esperado ver Eduardo Cunha, para lembrar-se de que são
grandes defensores da moralidade. Privada e pública.
Mas não só
de grampeamentos se fazem coleções biográficas. Como ex-presidente da Telerj,
Eduardo Cunha sabe – e ninguém duvide de que também comprove – que a estatal
dava dinheiro a políticos. Quantias fixas. Mês a mês. Por nada.
E Eduardo
Cunha não só investigou. Também pagou. Se vai cobrar, ainda não se sabe.
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