Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.
segunda-feira, 20 de novembro de 2023
domingo, 19 de novembro de 2023
morte
CLARICE E MANUEL
― você também veio pra aqui...
― sim, caí como letra viva na página em branco ― e abri a porta.
poesia
CONVIVO MUITO BEM COM OS CÃES DA RUA - RICARDO ALEIXO
Convivo muito bem com os cães da rua.
Me apraz o velho e bom modo de vida
que os faz, sem ter do que cuidar na vida,
medir distâncias de uma a outra rua.
Comparto com os cães o ar da rua.
Se um deles me dirige um riso cardo,
como quem dissesse “E aí, Ricardo?”,
respondo-lhe: “Olá, irmão!”. E a rua,
que até há pouco era só mais uma rua
por onde vadiavam um cão e um bardo
(cada um caçando, do seu jeito, a vida),
me obriga a distinguir, nela, o que é vida
real do que será, quem sabe, um tardo
sinal do quão são irreais o cão e a rua.
sábado, 2 de setembro de 2023
sexta-feira, 11 de agosto de 2023
"Nenhum Brasil existe. E acaso existirão os brasileiros?" (Carlos Drummond de Andrade, "Hino Nacional") — não existe mas dói sem parar...
DA HUMANA CONDIÇÃO
Custa o rico a entrar no Céu
(Afirma o povo e não erra).
Porém muito mais difícil
É um pobre ficar na terra...
QUINTANA, Mário. Eu passarinho. São Paulo: Ática, 2006, p.41.
quarta-feira, 2 de agosto de 2023
fiquei distante (não só deste espaço)
...durante a pandemia de Covid-19, e ainda estou meio enlutada, porque, no Brasil, o desastre não acabou, não só pelas mortes evitáveis, comprovadas por mais de um levantamento, como também pelo crescente negacionismo científico que afeta as medidas de prevenção sanitária e a cobertura vacinal. Nos links a seguir constam levantamentos das vidas que poderiam ter sido salvas, em torno de 400 mil -- cuja responsabilidade é de um monstruoso ser alçado à presidência da República em 2018:
ET
C.
Num cartum antigo de Aroeira (1993!), contudo, o monstro já estava desenhado, assim como em inúmeras falas, vídeos, gestos, agressões. Então quem votou nele não pode se dizer inocente ou mal informado.
terça-feira, 1 de agosto de 2023
quarta-feira, 26 de julho de 2023
um poema de Paulo Mendes Campos
Em noite tropical
A noite se perfumava
Da brisa do roseiral.
Respirei o ar de Deus
No sono do vegetal,
Mas não gostava da lua
Com seu brilho mineral
Porque sem dizer a ela
Me fazia muito mal
Temer a todo momento
A voz de um policial.
Inês despida na relva
Era uma Inês irreal.
O claro-escuro do ventre
Luzia na noite nua
Como as luzes de um punhal.
Quando depois se vestia
A aurora amadurecia
As copas do pinheiral.
A palavra escrita (1951)