Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


quarta-feira, 26 de julho de 2023

um poema de Paulo Mendes Campos

Em noite tropical 

 

A noite se perfumava 

Da brisa do roseiral. 

Respirei o ar de Deus 

No sono do vegetal, 

Mas não gostava da lua 

Com seu brilho mineral 

Porque sem dizer a ela 

Me fazia muito mal 

Temer a todo momento 

A voz de um policial. 

Inês despida na relva 

Era uma Inês irreal. 

O claro-escuro do ventre 

Luzia na noite nua 

Como as luzes de um punhal. 

Quando depois se vestia 

A aurora amadurecia 

As copas do pinheiral. 

 

A palavra escrita (1951)  

 

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