Morreu ontem, aos 87 anos de idade, o escritor português José Saramago. Recebi a notícia na escola, e foi inevitável que os colegas comentassem - sobre a perda e sobre a obra que ele deixou. Então uma colega falou uma coisa muito interessante, sobre o livro "Ensaio sobre a cegueira", que deu origem ao filme do Meirelles (Blindness, 2008 - trailer aqui). A cegueira branca - que vai progressivamente acometendo todos - não se dá pela falta, mas pelo excesso - excesso de luz, de informação, de conhecimento, de forma que aquilo que é próprio do ser humano está escapando, não consegue mais ser discernido, alcançado. O excesso fazendo-nos perder a nossa própria especificidade, perdermo-nos de nós mesmos. Então um escritor que conseguiu, com sua obra, deixar o mundo menos cego é memorável. Mais memorável para nós é o fato de que ele pertence à Língua Portuguesa.
Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.
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