Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


domingo, 11 de março de 2012

Millôr Fernandes

A VAGUIDÃO ESPECÍFICA

"As mulheres têm uma maneira de falar que eu chamo de vago-específica."
Richard Gehman

― Maria, ponha isso lá fora em qualquer parte.
― Junto com as outras?
― Não ponha junto com as outras, não. Senão pode vir alguém e querer fazer coisa com elas. Ponha no lugar do outro dia.
― Sim senhora. Olha, o homem está aí.
― Aquele de quando choveu?
― Não, o que a senhora foi lá e falou com ele no domingo.
― Que é que você disse a ele?
― Eu disse pra ele continuar.
― Ele já começou?
― Acho que já. Eu disse que podia principiar por onde quisesse.
― É bom?
― Mais ou menos. O outro parece mais capaz. 
― Você trouxe tudo pra cima?
― Não senhora, só trouxe as coisas. O resto não trouxe porque a senhora recomendou para deixar até a véspera.
― Mas traga, traga. Na ocasião nós descemos tudo de novo. É melhor, senão atravanca a entrada e ele reclama como na outra noite.
― Está bem, vou ver como.
O Pif-Paf / O Cruzeiro / 1956

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