Romance LI ou Das sentenças
Já vem o peso do mundo
com suas fortes sentenças.
Sobre a mentira e a verdade
desabam as mesmas penas.
Apodrecem nas masmorras,
juntas, a culpa e a inocência.
O mar grosso irá levando,
para que ao longe se esqueçam,
as razões dos infelizes,
a franja das suas queixas,
o vestígio dos seus rastros,
a sua inútil presença.
Já vem o peso da morte,
com seus rubros cadafalsos,
com suas cordas potentes,
com seus sinistros machados,
com seus postes infamantes
para os corpos em pedaços;
já vem a Jurisprudência
interpretar cada caso,
− e o Reino está muito longe,
− e há muito ouro no cascalho,
− e a Justiça é mais severa
com os homens mais desarmados.
Já vem o peso da usura,
bem calculado e medido.
Vice-reis, governadores,
chanceleres e ministros,
por serem tão bons vassalos,
não pensam mais nos amigos:
mas há muita barra de ouro,
secretamente, a caminho;
mas há pedras, mas há gado
prestando tanto serviço
que os culpados com dinheiro
sempre escapam aos castigos.
Já vem o peso da vida,
já vem o peso do tempo:
pergunta pelos culpados
que não passarão tormentos,
e pelos nomes ocultos
dos que nunca foram presos.
Diante do sangue da forca
e dos barcos do desterro,
julga os donos da Justiça,
suas balanças e preços.
E contra seus crimes lavra
a sentença do desprezo.
Cecília Meireles. Romanceiro da Inconfidência. 9.ed. São Paulo: Global, 2012, p.147-148.
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