Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


segunda-feira, 22 de abril de 2013

movimentando-se em terreno resvaloso

Num espaço de tempo relativamente curto aconteceram tantas coisas — coisas em demasia, excedendo o limite do narrável, do que se consegue dizer — que mesmo o fio com a palavra pareceu se perder, e o silêncio tornou-se uma necessidade.  É ingênuo supor que a experiência não nos ultrapassa. E nisso a palavra, essa estranha forma de respiração, dobra-se diante do vivido, vivido que quer render a linguagem de outra forma, para que nela possam caber pombos, experiências inusitadas, canções, imagens oníricas, poemas. “Todo abismo é navegável a barquinhos de papel” — diz o narrador do conto “Desenredo”, de Guimarães Rosa. Em tão ilustre companhia vai-se longe na aventura da linguagem, quer-se navegar mares impetuosos, oceanos de sentidos velados. O que pode um corpo? O que pode o amor à linguagem, o desejo de criar através dela? "Liberdade completa ninguém desfruta: começamos oprimidos pela sintaxe e acabamos às voltas com a delegacia de ordem política e social, mas, nos estreitos limites a que nos coagem a gramática e a lei, ainda nos podemos mexer". (Graciliano Ramos, Memórias do cárcere)

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