Num espaço de tempo relativamente curto aconteceram tantas coisas —
coisas em demasia, excedendo o limite do narrável, do que se consegue dizer — que
mesmo o fio com a palavra pareceu se perder, e o silêncio tornou-se uma
necessidade. É ingênuo supor que a
experiência não nos ultrapassa. E nisso a palavra, essa estranha forma de
respiração, dobra-se diante do vivido, vivido que quer render a linguagem de outra forma, para que nela possam caber pombos, experiências inusitadas, canções, imagens
oníricas, poemas. “Todo abismo é navegável a barquinhos de papel” — diz o
narrador do conto “Desenredo”, de Guimarães Rosa. Em tão ilustre companhia
vai-se longe na aventura da linguagem, quer-se navegar mares impetuosos, oceanos
de sentidos velados. O que pode um corpo? O que pode o amor à linguagem, o
desejo de criar através dela? "Liberdade
completa ninguém desfruta: começamos oprimidos pela sintaxe e acabamos às
voltas com a delegacia de ordem política e social, mas, nos estreitos limites a
que nos coagem a gramática e a lei, ainda nos podemos mexer". (Graciliano Ramos, Memórias
do cárcere)
Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.
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