Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


terça-feira, 23 de julho de 2013

Arte antes e depois da guerra

Sem desejar incorrer em qualquer heresia ao falar de dois filmes aclamados pela crítica, pertencentes a convenções estéticas distintas, o fato é que a casualidade levou-me a vê-los praticamente em sequência, no mesmo dia. O primeiro eu assisti no Canal Arte 1, ao zapear o controle ao acaso na manhã do último domingo. Trata-se de A Fita Branca (2009), filme de Michael Haneke tão perturbador quanto enigmático, deixando para o espectador uma série de dúvidas sombrias referentes à maldade, à perversidade e à crueldade humanas. Independente do contexto da Primeira Guerra Mundial que se aproxima, a ideia é que todo mal nasce no homem e em suas estranhas formas de vida em comunidade. Ao final do filme, a notícia do atentado em Saravejo soa menos impactante que tudo o que o espectador acabou de presenciar, sem deixar de projetar em si as tais sombras. O segundo filme, desta vez escolhido, foi Hiroshima, mon amour (1959), filme de Alain Resnais que tenta elaborar a angústia existencial que se projetou sobre a geração que sobreviveu à Segunda Guerra Mundial. Naturalmente é-me muito mais complicado falar deste filme, pela própria opção estética e sua filiação à nouvelle vague. Também não sou boa leitora de Marguerite Duras, roteirista do filme. Mas percebi que havia visto, em sequência no mesmo dia, dois filmes em que um elemento agregador meu, muito próprio, se inseriu, além de uma ligação um tanto mais óbvia: Emmanuelle Riva, a belíssima protagonista de Hiroshima, mon amour, foi dirigida recentemente por Michael Haneke no premiado Amour (2012) — a que ainda não assisti. O elemento agregador é um tanto imponderável, a guerra e suas sombras, o antes e o depois, as possibilidades da arte para falar do que não tem conserto nem nunca terá. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário