Você está numa fila qualquer, via de regra de
supermercado. A pessoa que está atrás de você dá, de repente, o ar de sua
presença, através de um leve e inconveniente esbarrão, ou empurrão, suficiente para
você sentir a presença física da pessoa e traduzi-la como pressão para andar mais
depressa. Mas se você, incomodado com aquele contato súbito e indesejado, cede
à pressão, arrisca-se a repetir o mesmo gesto com quem está na frente. Você
então move-se um pouco, o suficiente para se proteger da pressão exercida por
quem está atrás, mas a pessoa entende então que a fila andou, e anda também,
mantendo a pressão para que você continue a andar, a avançar, para que chegue
logo ao caixa, passe logo os produtos que veio comprar, pague rápido, porque
você mal termina de fazer cada uma dessas etapas e quem está atrás já está
ocupando o lugar que você achou que era seu na fila do supermercado. Então é desconfortável
saber, sentir, que o lugar ilusório que se ocupa no mundo não é necessariamente
a possibilidade de estar em paz, porque parece que ninguém está em paz.
Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.
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