Generalizar sobre o ser humano, elaborando abstrações,
não me interessa ou diz respeito. Precisei de uma semana para apreender a
inversão dos parâmetros contemporâneos que se opera em “A Pele que Habito”, um
Almodóvar trágico. De mim sei o que posso saber hoje, e o que posso saber a
cada instância da linha descontínua da existência parece sofrer das
irregularidades do terreno. O que posso saber de mim hoje mostra (a mim) alguém
diferente de quem já me supus ou acreditei em outras paragens, ainda que
aparentemente sob a mesma pele. O que mais me espanta é como algumas pessoas —
e aqui traio a intenção de não generalização — conseguem estar sempre iguais, operação
que parece demandar um esforço admirável de acomodação. Vejo a pele que habito
envelhecendo aos poucos, enquanto o ser que espreita sob ela... é... é o que o
cotidiano permite, o que as energias de hoje permitem. Eu preciso agradecer aos
amigos, os poucos que o abraço de hoje consegue abrigar, por não desistirem de
mim, apesar do (tão) pouco que tenho conseguido fazer ou oferecer. E preciso também
reconhecer que tenho me obrigado a estar mais presente. Nenhum clichê de
amizade, apenas uma deserção suave dos lugares comuns.
Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.
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