O que dizer dos sonhos quando, para se dizer algo
deles, já são matéria transformada pela linguagem, incorporados como narrativa
reconhecível? Sonhei com Bob Dylan, que estava muito próximo de mim, mas havia
um silêncio imposto que impedia a fala, minha e dele. Esse silêncio — suas
circunstâncias — é a parte mais estranha de tudo, praticamente intraduzível, e
trazia consigo uma origem, um agente deflagrador. Havia uma interdição à fala, algo
que foi se construindo, se fazendo, e era doloroso, difícil, e traía fragilidade,
vulnerabilidade, ausência de proteção de minha parte, como se eu tivesse
desamparado alguém que amo. O impedimento de falar era muito incômodo, porque não
era simplesmente algo físico: antes, falar representava uma espécie de perigo,
uma ameaça. A sensação foi única, muito viva e real, intraduzível e praticamente
incompreensível pelo pensamento e seus signos verbais. Havia uma situação
envolvendo um improvável Bob Dylan, frágil e desamparado, e a mim, impedida de
falar por coisas que eu mesmo havia feito, ou fizeram, quem sabe. Mas aqui eu
posso, ainda que me censure.
Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.
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