Mesmo não sendo o homem do futuro, viajamos no
tempo. Basta frequentar o cinema. Zapeando os canais, detive-me na parte final
do belo filme de Marcelo Gomes e Karim Aïnouz, Viajo Porque
Preciso, Volto Porque Te Amo. Uma viagem para fora de si mesmo e
para trás, no tempo, para um vilarejo prestes a desparecer no interior do
sertão nordestino, em virtude da construção de um açude.
Quase estava esquecendo o assunto
quando deparei-me com uma reportagem falando dos escombros e ruínas da cidade
emersos em virtude da estiagem. É muita coincidência o município de Piranhas Velhas (PB) aparecer-me
duas vezes no mesmo dia, na crueza da ficção e na mesma crueza da realidade.
Uma das cenas finais do filme é a incursão por uma das construções prestes a
desaparecer (o açude data de 1936), em que constam os seguintes dizeres:
HOMENAGEM DO POVO DO SÉCULO XIX AO POVO DO SÉCULO XX, que não percebeu a
sutileza da homenagem.
No filme, paisagens e amores são deixados para trás (luta-se para deixá-los), enquanto paradoxalmente o passado se faz mais presente, num aceno leve e irônico
para o futuro. Fica para trás sobretudo o eu que habitou as paisagens
desaparecidas (inclusive as interiores), porque não há como separá-lo delas, de
uma geografia. Enquanto isso viaja-se no tempo, passado e futuro construindo um
intrincado onde, enquanto a personagem busca renovar sua vida, um fundo de
ironia insiste em acenar do passado. Não há homem do futuro, mas talvez possa
haver homem do passado, resgatado na delicadeza do traço imagético do filme. A
homenagem é ao passado que resistiu, não ao futuro que o destruiu.
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