Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

A lua vem da Ásia (CCBB, com Chico Diaz)

[imagem obtida aqui]

A lua vem da Ásia, adaptação para o teatro do romance de Campos de Carvalho, é puro delírio verbal. Chico Diaz sustenta com força, perícia e precisão um monólogo de quase 90 minutos, e o que se vê não cabe no escaninho da lógica. Como tal, fica difícil falar da peça, embora alguns consigam (aqui). Não há bússola, a linguagem não comporta a riqueza e a intensidade do que é vivido, a liberdade é um clamor constante, a escrita uma possibilidade, e incomoda bastante perceber, como o avesso de uma fotografia, o mundo-nosso-de-cada-dia na ilogicidade(?) do que desfila ao longo da peça. Uma das poucas falas de que consigo me recordar: revelar ao mundo minha desesperada inocência. Ou: uma lágrima furtiva. Ou: nossa grande insignificância diante do universo. O inferno é aqui mesmo, mas é possível dar boas risadas diante de seu absurdo, principalmente quando este absurdo começa estranhamente a se impor como rotina. Ao sair do teatro, olhei para o céu casualmente e vi uma enorme lua (asiática, por força da peça). Caminhei mais um pouco e vi o que vejo todo dia, incorporado à rotina de uma cidade que compensa seu inferno oferecendo teatro de qualidade a preços populares no CCBB. A peça vale o inferno porque o encena, colocando em cena a perplexidade de um ser errante diante de um mundo que os deseja, os seres, adaptados, enquadrados, assimilados, rotinizados. E há, vivendo nas calçadas, iluminados pela mesma lua, seres pelos quais o teatro não pode fazer nada. 

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