Pelos caminhos da linguagem vou traçando estradas que me são
necessárias. As recordações da infância, frequentes nos últimos tempos,
convocam-me a uma fidelidade com quem outrora fui, antes de me duvidar. Só
escrevendo isso consigo saber. Quando foi que comecei a duvidar de mim? Dúvida
retrospectiva, aliás, lançando sombras na criança que corria ao sol.
Impossível. As estradas daquela criança levaram a uma moça desajeitada,
desconjuntada, e essa moça se duvidou, duvidou. Mas o melhor dessa moça é
aquela criança que fui, que ela foi, que tinha sonhos bem ousados para seu meio
tacanho. Confesso que esses sonhos ainda não se concretizaram de todo, apesar
de sua aparente simplicidade. Tão simples que constrange mesmo falar, e para o
bem deles talvez seja melhor continuarem um segredo entre eu e minha analista.
Era isso: eu queria aparentemente pouco, mas depois descobri que esse pouco
tinha algo de luxo, o luxo da liberdade de viver.
Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.
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