Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


quinta-feira, 18 de agosto de 2011

W. H. Auden: "how wrong they are in being always right"


NOSSO PENDOR

A ampulheta sussurra ao rugido do leão.
Diz o relógio da torre ao jardim ali perto,
Que, sendo o Tempo paciente com os erros, quão
Errados eles estão de estarem sempre certos.

O Tempo, no entanto, quer badale grave ou alto,
Por veloz que se despenque em torrente raivosa,
Nunca de leão algum logrou deter o salto
Nem abalar jamais a firmeza de uma rosa.

Para ambos, só o sucesso importa, pelo jeito:
Enquanto escolhemos palavras pelo som
E julgamos um problema pelo seu desajeito.

O Tempo sempre nos traz divertimento, e bom:
Quem não prefere dar umas voltas, fazer hora,
Em vez de vir direto para onde está agora?

OUR BIAS

The hour-glass whispers to the lion's roar,
The clock-towers tell the gardens day and night
How many errors Time has patience for,
How wrong they are in being always right.

Yet Time, however loud its chimes or deep,
However fast its falling torrent flows,
Has never put the lion off his leap
Nor shaken the assurance of the rose.

For they, it seems, care only for success:
While we choose words according to their sound
And judge a problem by its awkwardness;

And Time with us was always popular.
When have we not preferred some going round
To going straight to where we are?

W. H. Auden. Poemas. Trad. José Paulo Paes. 2.ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1986, p.92-93.

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