O ÚNICO LIVRO
Vi que os negros Vedas,
o Evangelho e o Alcorão,
mais os livros dos mongóis
em suas tábuas de seda
― como as mulheres calmucas todas as manhãs ―
ergueram juntos uma pira
de poeira da estepe
e odoroso estrume seco
e sobre ela pousaram.
Viúvas brancas veladas numa nuvem de fumo,
apressavam o advento
do livro único,
cujas páginas maiores que o mar
tremem como asas de borboletas safira,
e há um marcador de seda
no ponto onde o leitor parou os olhos.
Os grandes rios com sua torrente azul:
― o Volga, onde à meia noite celebram Rázin;
― o Nilo amarelo, onde imprecam, ao Sol;
― o Yang-tze-kiang, onde há um denso lodo humano;
― e tu, Mississipi, onde os ianques
trajam calças de céu estrelado,
enrolando as pernas nas estrelas;
― e o Ganges, onde a gente escura são árvores de ciência;
― e o Danúbio, onde em branco homens brancos
de camisa branca pairam sobre a água;
― e o Zambeze, onde a gente é mais negra que uma bota;
― e o fogoso Óbi, onde espancam o deus
e o voltam de olhos para a parede
quando comem iguarias gordurosas;
― e o Tâmisa, no seu tédio cinza.
O gênero humano é o leitor do livro.
Na capa, o timbre do artífice ―
meu nome, em caracteres azuis.
Porém tu lês levianamente;
presta mais atenção:
és por demais aéreo, nada levas a sério.
Logo estarás lendo com fluência
― lições de uma lei divina ―
estas cadeias de montanhas, estes mares imensos,
este livro único,
em cujas folhas salta a baleia
quando a águia dobrando a página no canto
desce sobre as ondas, mamas do mar,
e repousa no leito do falcão marinho.
Poesia russa moderna. Trad. Augusto de Campos, Haroldo de Campos e Boris Schnaiderman. São Paulo: Perspectiva, 2001, p.139-140.
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