Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


terça-feira, 18 de setembro de 2012

Miguel Marvilla


TODAS AS COISAS DIFÍCEIS

Ninguém pensa impunemente
numa escrita permanente
da vida que se levou.
Há sempre sob o lençol
um corpo irreconhecível
em seu próprio imaginário:
um aquário cheio de bile,
peixes nadando ao contrário.

Resvalando nos silêncios,
o que aflora à superfície,
depois do mundo acabado,
é noite sem lua dentro:
todas as coisas difíceis
que foram postas de lado.

A parte que nos toca: literatura brasileira feita no Espírito Santo (Org. Miguel Marvilla e Reinaldo Santos Neves). Vitória: Florecultura, 2000, p.157.

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