Esta
é uma confissão de amor: amo a língua portuguesa. Ela não é fácil. Não é
maleável. E, como não foi profundamente trabalhada pelo pensamento, a sua
tendência é a de não ter sutilezas e de reagir às vezes com um verdadeiro
pontapé contra os que temerariamente ousam transformá-la numa linguagem de
sentimento e de alerteza. E de amor. A língua portuguesa é um verdadeiro
desafio para quem escreve. Sobretudo para quem escreve tirando das coisas e das
pessoas a primeira capa de superficialismo.
Às
vezes ela reage diante de um pensamento mais complicado. Às vezes se assusta
com o imprevisível de uma frase. Eu gosto de manejá-la – como gostava de estar
montada num cavalo e guiá-lo pelas rédeas, às vezes lentamente, às vezes a
galope.
Eu
queria que a língua portuguesa chegasse ao máximo nas minhas mãos. E este
desejo todos os que escrevem têm. Um Camões e outros iguais não bastaram para
nos dar para sempre uma herança de língua já feita. Todos nós que escrevemos
estamos fazendo do túmulo do pensamento
alguma coisa que lhe dê vida.
Essas
dificuldades, nós as temos. Mas não falei do encantamento de lidar com uma
língua que não foi aprofundada. O que recebi de herança não me chega.
Se eu
fosse muda, e também não pudesse escrever, e me perguntassem a que língua eu
queria pertencer, eu diria: inglês, que é preciso e belo. Mas como não nasci
muda e pude escrever, tornou-se absolutamente claro para mim que eu queria
mesmo era escrever em português. Eu até queria não ter aprendido outras
línguas: só para que a minha abordagem do português fosse virgem e límpida.
LISPECTOR, Clarice. A descoberta do mundo: crônicas. Rio de
Janeiro: Rocco, 1999, p.100-101.
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