Nos dias que se seguiram ao Natal, vivi uma
experiência ainda pouco palpável pelas palavras ― pelo menos aquelas com que se
escreve (ou que se escrevem, dependendo do modo com que se hierarquiza palavra
e escrita). Mas foi uma experiência que se colocou muito concretamente, e que
agora quer avançar pelo terreno escorregadio da escrita. Terreno, aliás, é
uma palavra que já diz alguma coisa do que foi vivido, pelo menos num sentido
etimológico, fazendo pensar, por exemplo, em terra. Assim como na história dos
pombos, não sei bem como e se conseguirei falar. Sinto que é preciso um cuidado
maior, uma delicadeza que tem sido difícil encontrar. Ao mesmo tempo, está tudo
muito latente, vivo, pedindo uma continuação na escrita, como se... não, não se
trata de legitimar o que foi vivido, pois o que foi vivido cabe na contiguidade
do viver. Trata-se do modo como o vivido bate em cada um, em cada vida, e como
isso mesmo acaba dando um contorno próprio ao que se vive. Em mim ainda não
terminou de bater, de chegar, e por isso a escrita, para mim, surge como parte
do vivido. Por enquanto é isso.
Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.
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