À leitura da matéria
publicada n’O Globo de hoje, “Filhos de presos torturados
carregam a dor do passado”, foi inevitável a
comoção, porque violência contra criança ultrapassa qualquer fronteira da
razão ou do entendimento. Uma dessas crianças, Carlos Alexandre Azevedo, submetido à violência dos generais quando tinha apenas 1
ano e 8 meses de idade, suicidou-se na última semana. A mim, nascida em 68,
ocorre-me ter então vivido uma outra face da moeda, passando a infância num
interior rural anônimo, anódino, vazio de experiências e de poucas
expectativas, e que bem depois entendi como também uma forma perversa de fazer
a repressão acontecer, porque não saber de nada é quase nada saber.
Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.
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