Quando procurei a terapia de vidas passadas, movida
entre outros por uma intensa curiosidade a respeito, as coisas não deram muito
certo, a rigor nem chegaram a acontecer: nunca fiz uma sessão de regressão. Mas
agora, já distanciada, percebo que não preciso voltar além-útero. Há muitas vidas
passadas na própria vida, nesta existência, a única concreta de que tenho
conhecimento. E nessas vidas passadas de minha vida eu talvez não tenha sido eu: cada uma
dessas vidas encerrou um eu com um liame de continuidade com o presente dado
pela memória, pelo esforço de se reconhecer uno, único, o mesmo sujeito de uma
só história ao longo de uma única existência, cuja vida daria um romance. Mas
se no presente eu não me sinto una, quem dirá nas muitas edições da vida, como
quis Brás Cubas. Dito isso, sinto que se eu quisesse resgatar e me reconhecer numa
dessas edições, seria a infância e juventude, em que os prazos eram mais
dilatados, havia um repouso muito grande em viver, em vez dessa urgência, dada pela vertigem de um hoje caótico, de
responder a (e resolver) todas as questões: estas iam e vinham, até que uma
hora, quando as condições permitiam, iam de vez. Assim se foi, por exemplo,
minha asma.
Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.
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